1468
«Ao longo de todo o Antigo Regime, o principal
beneficiário do tráfico de escravos foi o próprio Estado.
Desde a morte do infante D. Henrique, em 1460, que o comércio africano
era monopólio da Coroa, o que significava que os navios
que navegavam para África necessitavam de autorização prévia do rei e que os
produtos que de lá chegavam estavam sujeitos ao pagamento de direitos e
impostos. Essas funções competiam inicialmente à Casa do Trato da Guiné,
com
sede em Lagos, que foi transferida para Lisboa em 1468
com o nome de Casa da Mina e Tratos da Guiné, ou só Casa da Mina.
Na Casa da Mina foi criada, em 1486, uma repartição destinada
a superintender o tráfico dos escravos, a chamada Casa dos Escravos,
cujo edifício, além de acolher a parte administrativa, dispunha também de um
grande armazém onde eram concentrados os cativos após o desembarque. Aliás, em 1512, o
rei D. Manuel proibiu expressamente que fossem desembarcados fora de Lisboa
quaisquer escravos trazidos a Portugal.
O número de escravizados entrados no país
subiu de algumas cenrenas no fim do século xv para
urna média anual de cerca de 2500 nas duas primeiras décadas do século XVI.
Provenientes da Senegâmbia (a maioria) ou do golfo da Guiné,
muitos desses escravos eram reexportados, como já
se disse atrás, para o Sul de Espanha, de onde uma parte deles
era, por sua vez, remetida para as Antilhas.
Quando, em 1518, foi autorizada
pelos
reis de Portugal e de Espanha a exportação direta de escravos para a
América Espanhola a partir de Cabo Verde e de São Tomé, diminuiu a importância de Lisboa como cenrro de
distribuição, mas não como centro de adminisrração e
controlo.
Entre as competências da Casa dos Escravos
(e que depois irão passar para
outros organismos) estavam: a venda de licenças para o tráfico; o
arrendamento a terceiros, em regime de monopólio, do comércio em
determinadas áreas do litoral africano; e a concessão a particulares,
mediante
pagamentos
anuais, de contratos
de
exploração
dos direitos régios em áreas já povoadas e com atividade económica própria, como Cabo Verde
ou São Tomé.
A outra solução usada pela Coroa foi a administração direta
dos monopólios comerciais pela Fazenda Real, o que exigia montar um corpo de
funcionários especializados, pagos com as receitas que resultavam da sua ação, em geral mais motivados pelos interesses privados do que pelo serviço do rei e demasiado
recetivos à corrupção.
Ao arrendar esses recursos a capitalistas privados, a Coroa poupava em meios humanos e em despesas,
e, sobretudo, garantia receitas fixas, não sujeitas às oscilações e caprichos do mercado. Não se livrava, claro, dos ataques do contrabando,
muitas
vezes
promovidos
pelos próprios contratadores. E também não tinha como fugir ao
problema dos pagamentos, que nem sempre eram tão vultuosos
e pontuais como estabelecia a letra dos contratos, embora, para os garantir, se exigisse fiadores abonados e
credíveis.
Ainda no século xv, o banqueiro e armador Bartolomeu Marchionni, representante dos Médicis em Portugal,
aparece como arrendatário do «rio dos Escravos», entre
1486 e 1493, e dos «rios da Guiné de Cabo Verde» (Senegâmbia) entre
1490 e 1495. Em 1502 e 1503 essa área passa para Fernando (ou Fernão) Loronha, ativo mercador cristão-novo, cavaleiro da
Casa Real, que tivera por duas vezes o
monopólio do comércio do pau-brasil e foi um dos
primeiros a conseguir o contrato de abastecimento de escravos e vinho a São Jorge
da Mina.
Outras áreas houve colocadas sob regime de
exclusividade, como a da Serra Leoa ou a dos rios Cantor e Gâmbia, esta arrendada
ao
comerciante João Rodrigues de Mascarenhas.
As maiores receitas iriam vir, no entanto, dos arrendamentos
para
a
cobrança dos direitos régios
nos arquipélagos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe e, a seu tempo, no «reino de Angola».
Os contratos de arrendamento nas ilhas de Cabo Verde
iniciam-se em 1501 e mantêm-se durante cerca de 20 anos. Depois
disso, na perspetiva de grandes lucros que nunca se concretizaram, a Coroa
tenta o regime de administração direta. Quando, em 1535,
se regressa ao modelo de arrendamento a particulares, o contrato
para a cobrança dos direitos sobre os escravos trazidos da costa de África
surge já separado do das outras mercadorias entradas ou saídas das ilhas, o que mostra
a
importância que o tráfico de mão-de-obra estava a ter na
economia do arquipélago. E os contratos passam a ter a
duração de seis anos, em vez dos três
habituais.
À medida, porém, que o comércio dos «rios da Guiné» se autonomiza, passando a fazer-se diretamente
com as Américas, o tráfico negreiro vai-se
progressivamente afastando do arquipélago cabo-verdiano
e, a partir do século xvii, em muitos
dos anos, já não há sequer quem arremate o contrato.
Não sabemos que valores atingiu o arrendamento dos direitos
no período de maior prosperidade dos negócios em Cabo
Verde. Para o período de 1602-1606, Jácome Ficher e Custódio Vidal, com pouca experiência neste negócio,
arremataram-no por 27 000$000 mas, em 1605, tiveram de largar o contrato
por
incumprimento.
No seguimento, o mercador lisboeta cristão-novo João Soeiro conseguiu o arrendamento por 16 000$000 réis anuais e a partir de então os
valores do contrato foram sempre abaixo dessa ordem de grandeza»
ESCRAVOS E TRAFICANTES NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O comércio negreiro português no Atlântico
durante os séculos xXV a XIX, Arlindo Manuel Caldeira, A Esfera do Livro,
Lisboa, 2013, pg. 158-160
1469/11/00
«1469 - Novembro, D. Afonso V arrendou por 'cinco anos a Fernão Gomes o exclusivo da exploração comercial da costa da Guiné,
mediante o pagamento da renda anual de 200.000 reais e a obrigação
de, em
cada ano, descobrir cem léguas de costa a partir da Serra Leoa. Ficaram excluídos do contrato: o tracto da zona de
Arguim, presumivelmente pelo facto de «el Rei o ter dado ao Príncipe (D. João) em parte do assentamento que dêle tinha»; o tracto da zona de terra firme, fronteira às ilhas de Cabo Verde, por ele ficar para os moradores
delas, zona esta que (segundo identificação de João Barreto (24), baseado
em André Álvares de Almada - Tratado breve dos rios da
Guiné de Cabo Verde) deveria
ser compreendida entre os rios de Senegal e de Serra Leoa. Todo o marfim
resgatado deveria ser vendido ao Rei à razão de 1.500
reais o quintal, ficando Fernão Gomes com o direito de todos os anos resgatar um gato almiscarado, animal
este muito valorizado em virtude de produzir urna substância aromática usada para a preparação
de perfumes e em terapêutica.
Em 1470 a renda anual foi aumentada de 100.000
reais por Fernão Gomes ter conseguido
o
exclusivo do resgate da malagueta, conforme acertadamente deduziu
Fontoura da Costa (25). Por carta régia de 1 de Junho de 1473 foi o arrendamento prorrogado por mais um ano (26).
(24) - História da Guiné, p. 66, nota (a).
(25) - Em A actividade dos
descobrimentos desde a morte de D. Henrique até ao advento de D. João II, em Hístório
da Expansão Portuguesa no Mundo, vl. 1.0 , cap. IX, p. 359.
(26) - João de Barros-Asia, década l.ª, l.• 2.•, cap. 2, p. 71-73; Damião Peres - História
dos Descobrimentos Portugueses, p. 144-145.»
De Novembro? de 1469 a 1474, D. Afonso V
continua detendo o pleno domínio e jurisdição da Guiné, mas as armadas que ele
enviasse - dado que a continuação do descobrimento e
reconhecimento geográfico para o Sul tinha sido adstrito a Fernão Gomes - apenas poderiam visar: a
caça aos corsários que andassem realizando ilegalmente o tracto e
assaltassem os navios autorizados a resgatar, os quais pertenciam
a Fernão Gomes, ao Príncipe e aos indivíduos a quem ele desse licença para traficar na zona de Arguim, aos moradores de Cabo
Verde que visassem o resgate na sua zona, (embora a função de caça aos
corsários devesse ser realizada principalmente por Fernão Gomes, como forma de defesa da
integral usufruição dos seus direitos, é admissível que
também pudesse ser prosseguida pelo Rei); o resgate de gatos almiscarados
e
unicórnios,
e
– anteriormente a Novembro? de 1471, data em que esse resgate
foi concedido a Fernão Gomes - malagueta; no entanto é de presumir que os navios régios, mesmo neste
período, desde que autorizados por Fernão Gomes e mediante
o pagamento a este de certos direitos, pudessem ir realizar o resgate de outras mercadorias aos
tractos da Guiné.»
Jorge Faro, Duas expedições
enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V,
pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
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1469
Fernando Gomes, um mercador de
Lisboa, adquire os direitos exclusivos do comércio em escravos, ouro e outros
bens de valor, na Costa da Guiné, sob a condição de "descobrir" 100
léguas de costa e pagar uma soma fixa à Coroa por cada um dos cinco anos do
contrato. A área da costa em frente de Cabo Verde estava excluída do seu
domínio, juntamente com a área junto à fortaleza de Arguim, a primeira tendo
sido atribuída a mercadores de Santiago. Em 1472, Fernando Gomes conseguiu que
a Coroa alargasse o âmbito do seu contrato de comércio individual, restringindo
o comércio por caboverdianos apenas a produtos caboverdianos. Parcerias entre
caboverdianos e estrangeiros eram proibidas. Este sistema permaneceria em vigor
até meados do Séc. XVII.
Os escravos vendidos no
mercado de Santiago eram classificados em três tipos. Por ordem crescente de
valor, eram boçais (de boçal: ignorante), escravos recém- importados que
falavam apenas as suas línguas nativas; ladinos, escravos residentes há mais
tempo em Santiago que tinham aprendido Kriolu, tinham sido baptizados e
"ensinados a trabalhar"; e naturais, os nascidos em Cabo Verde
(Carreira 1972: 267 citado por Meintel).
Em 1469, por contrato, a coroa
arrendou o comércio da Guiné ao mercador Fernão Gomes que viu confirmado esse
arrendamento no reinado de D. João II (1481-1495), para explorar o litoral
africano a sul da Serra Leoa. Desde
então, os mercadores caboverdeanos começaram nas tarefas comerciais nas zonas
próximas da foz dos rios guineenses, onde se fixaram alguns mercadores. Por isso
é que, desde o início, a história da Guiné integra-se na de Cabo Verde.
A
costa ocidental da África mostrava-se atractiva para o lucro dos mercadores e
para a Coroa. Da Guiné saíram não só
bens de comércio mas também e especialmente muitas pessoas - os escravos - que
eram considerados verdadeiras mercadorias.
Fernão
Gomes, um comerciante de Lisboa possui os direitos exclusivos para negociar escravos e ouro em Cabo
Verde e ao longo da costa da Guiné (ele foi obrigado a explorar cem léguas
a oeste da Serra Leoa em troca de tais concessões).
«Em
primeiro lugar a concessão de Fernão Gomes em 1469-74.
Deixemos
tudo o mais e as peripécias que rodeou esta concessão mercantil onde a troco de
uns patacos para a coroa se fez uma enormíssima fortuna, ou melhor, se fizeram
enormíssimas fortunas pois os homens que Fernão Gomes associou a si - famosos
pilotos e capitães - foram partícipes indirectos nesses enormes lucros do
concessionário.
Após
peripécias e desforços vários com o Monarca, Fernão Gomes construiria no espaço
atlântico uma verdadeiro potentado marítimo e mercantil de uma extraordinária
dimensão geográfica, que jamais alguém conseguiu igualar: o maior espaço
mercantil concedido a um particular na Europa do seu tempo Infelizmente não
conhecemos o texto em que se estipularam os termos e exactas condições deste
arrendamento ou “conçerto” (tal como a da renovação de 1473). Ignoramos,
assim, os exactos termos e condições deste contrato de arrendamento. Mas é
seguro que houve uma “Carta de Contrauto” onde se especificavam a “maneira
e condiçõões e declaraçõões e cousas com que lho temos dado e outorgado” estipulando
condições possivelmente mais pormenorizadas do que as sumariadas pelos
cronistas.
O
seu conteúdo foi mais largamente anotado por Barros e são os termos e cláusulas
sumariadas por este cronista que se têm sido tomadas como o conjunto de
condições mutuamente aceites em Novembro de 1469.
Para
além de algumas determinações específicas, retenhamos o essencial para o ponto aqui
em análise:
O
arrendamento ou concessão, do comércio (por quatro anos mais um) incluía toda a
extensão da costa que viesse a descobrir e explorar, além dos limites da Serra
Leoa. Na verdade o arrenadamento dos tratos incluía a obrigação de navegar e
explorar, pelo menos, 100 léguas de costa ”de maneira que no cabo de seu
arendamento, désse quinhentas légoas descubertas”.
Ressalte-se
um aspecto pouco focado com esta concessão: a Coroa impunha a colocação de
Padrões nas terras que e viesse a descobrir. Com esta cláusula a coroa quase
que se resigna e se limita a reivindicar para si uma mera posse administrativa
em termos de titularidade.
Tudo
ficava neste acorde ou concessão a exclusivo encargo do Concessionário, que
organizaria o trato conforme o entendesse e mediante ainda um pagamento anual
ao Monarca de 200.000 reais brancos (que pareceu quase simbólico como o Povo o
referia em Cortes, logo
depois).
Posteriormente
a este Contrato com o Rei, viria Fernão Gomes a acertar outro com o Príncipe D.
João. Embora não se saiba exactamente quando, assegura Barros que veio
efectivamente o mercador a negociar com o Príncipe o comércio de Arguim que
Afonso V não incluiu no seu primeiro contrato assenhoreando-se também deste
rico trato da costa.
Não
se pense, porém, que de 1469 em diante tudo se deve apenas a Fernão Gomes. Há outros
grandes mercadores e os capitães e pilotos que com ele colaboraram (e ao
serviço do qual efectivamente estiveram) os quais foram participantes,
intervenientes e interessados activos, nesse mesmo comércio e que, por aqui, foram
botando e deixando raízes.
Desconhecemos
os termos exactos dessa associação mercantil que este Fernão Gomes utilizou
para a exploração do Golfo entre a Serra Leoa e o Cabo de Santa Catarina, mas,
no mínimo, ela deveria ter-se pautado pelas normas então em voga nos meios
náuticos: a parceria, qualquer que fosse a percentagem estipulada com
cada um deles.
Parceria
que implicou obrigatoriamente com este o estabelecimento de contratos ou até
subcontratos de participação envolvendo esses pilotos, capitães e até
marinheiros que nas mesmas viagens participavam. Uns no local ou caminhos do
trato, outros na logística e preparação de meios em Lisboa. (construção,
aluguer e apresto das embarcações etc.) Subcontratos, por seu turno
estabelecidos com outros mercadores, alguns dos quais já incluídos ou
referenciados pelo próprio monarca.
A
preservação desse circuito atlântico e áreas territoriais com ele envolvidas
frente a outros interesses estranhos ficaria, depois, muito devedor também à
acção deste mercador. Naturalmente em benefício directo próprio mas,
indirectamente, garantindo aos nacionais as ricas áreas que obviamente sabia
que a prazo lhe iriam sair das mãos em virtude do contrato a termo certo
lavrado com a Coroa. É o caso da oposição frontal às tentativas dos italianos,
“encabeçados” por António de Nola para penetrar nessas áreas quer a partir de
Cabo Verde quer da Madeira.
Não
sabemos que tipo de conflitos houve, mas que correram processos movidos por
Fernão Gomes contra o genovês não fica dúvida. O pleito ficou documentado tendo
obrigado o Monarca a intervir em 1472 na sequência dos letígios com o italiano
cuja verdadeira dimensão e gravidade infelizmente desconhecemos (mas violentos,
na opinião de Verlinden). Para além do mais, sob pena de confisco de todas as
embarcações: “porque o dito capitamm foy e he demandado per o dito fernam
gomez” (50).
Acautelando
interesses próprios, um relevante serviço prestado a sua alteza nesta reserva estratégica
do Atlântico onde fervilhava toda uma clientela nacional construindo uma área que
emergia com um interesse
económico decisivo para toda uma “maquina” estratégica em lançamento visando o
assalto definitivo a outras áreas e espaços.»
As
Concessões mercantis e a construção atlântica portuguesa, Aurélio de Oliveira, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, in Actas do
Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e
sociedades, Comunicações
Concessão da exploração e comércio da urzela a João e Pedro de
Lugo. Nos primeiros anos após o descobrimento em que o povoamento se
encontrava ainda muito incipiente o Infante D. Fernando, então donatário do
arquipélago, fez “ (...) trato da urzela das suas ilhas de Cabo Verde com João
de Lugo e Pêro de Lugo Castelhanos mercadores e moradores em Sevilha”.
O primeiro contrato para e exploração desse líquen em Cabo
Verde que se tem conhecimento foi firmado em 1469/09/30 com os irmãos João de
Pêro e Lugo, Castelhanos, que se ocupavam da mesma actividade nas ilhas
Canárias, depois desse contrato há conhecimento que foram efectuadas mais de 13
novos contratos incluindo o da Companhia do Grão Pará e do Maranhão. Só esta
empresa extraiu das ilhas 1.858 toneladas de urzela, cujo custo na origem foi
de 250.530 mil réis, tendo em lucro cerca de 210 contos de réis. Houve um outro
contrato da venda da urzela em 12 de Novembro de 1836 entre João António
Martins e os Franceses. “Em 27 de Março de 1837 desembarcou-se do brigue Dois Amigos,
de Manuel António Martins, na alfandega de Goré, 87 sacos de urzela” 13. “Em toda
a ilha onde se apanha ou colhe a urzela há um comprador privado, essa pessoa é
o feitor da fazenda real e ao mesmo tempo comandante militar, este tomava a
urzela dos urzeleiros, não lhes pagavam em dinheiro, mas sim em géneros. Ele
vai fazer as embarcações para os países externos, a maior parte dos lucros é
para o comprador não para as pessoas que apanhavam” 14. As pessoas que
apanhavam aperiguavam a sua vida para fazer a recolha, e os compradores
privados compravam a um preço que não compensavam as canseiras, e as vezes eram
pagas em géneros alimentícios. “O modo de comprar, pesar e pagar é a única
causa da pouca urzela que se colhe, é certo que o preço de 25 rs.que se paga
por cada libra é ténue, atendendo ao risco e trabalho, que há com aquela
colheita”15. Isto é a sua principal causa da sua diminuta quantidade.
A urzela produz um corante de
cor púrpura
(ou azul violáceo) que antes da invenção das anilinas sintéticas atingia grande
valor para tingir têxteis. O extracto da urzela, agora denominado orceína ou azul de tornesol,
continua a ter ampla aplicação como contrastante em microscopia e como base
para indicadores químicos e bioquímicos.
Entre as utilizações do corante conta-se o papel indicador, que em inglês deu
origem ao teste de "litmus"
tão utilizado na linguagem corrente.
Em Cabo Verde, onde
a urzela se desenvolve em altitude até ao limite dos contra-alísios, a apanha
da urzela constituiu até ao século XIX uma
importante atividade, permitindo a subsistência em épocas de grave carestia
causada pela seca. A sua apanha era porém muito penosa pois exigia o acesso a
falésias e escarpas, causa de muitas mortes por queda.
1469
- Neste anno passou a Africa o Infante D.Fernando com huma Armada , em que
levava muita e boa gente, e foi desembarcar em Anafe, que já tinha mandado
reconhecer
por Estêvão da Gama (1) , Fidalgo da sua Casa, o qual esteve alli disfarçado em
mercador com huma pequena embarcação carregada de figos, e
passas do Algarve. Os Mouros, quando vírao o numero
dos navios Portuguezes, não ousarão opor-se ao desembarque, e desamparárão a
Cidade e o Castello. O lnfante, não julgando acertado conservar esta
conquista mandou queimar a povoação, depois desaqueada, e desmantelar as
fortificações; e feito isto, regressou a Portugal (2).
Neste
mesmo anno de 1469 arrendou ElRei o
Commercio da Guiné (3) a FERNÃO GOMES, Negociante de Lisboa, por duzentos mil
réis cada anno, devendo durar o seu Contracto cinco anos, obrigando-se elle
a descobrir á sua custa cem legoas da Costa em cada anno, a começar da Serra
Leoa para o Sul.
(1)Anafe. Tem uma Bahia de pouco abrigo, em que se pode surgir por 18 até
25 braças.
(2)Ruy de Pina, Cap. 110. - Damião de Goes , Chronica
doPrincipe D. João, Cap. 17.
|
1470
☻
Neste anno descobrio Soeiro da Costa o Rio, a que deo o seu nome (1), o qual se
conserva ainda 'em todas as Cartas. (1)O mesmo Barros no lugar citado. Este Rio está situado na Costa
Ocidental da Africa, obra de trinta legoas áquem do Cabo de Três Pontas.
☻
Partirão de Lisboa por ordem de FERNÃO
GOMES, em duas Caravelas (2) JOÃO DE
SANTARÉM, e PEDRO ESCOVAR,
cavalleiros da Casa d’ElRei, e por seus pilotos MARTIM FERNANDES, e ALVARO
ESTEVES, reputado pelo mais habil no seu tempo; e correndo a Costa de
Africa além dos pontos já conhecidos, descobrirão em Janeiro do anno seguinte o
lugar, a que se deu o nome de Mina pelo muito ouro que alli concorria; e não
longe do qual mandou depois ElRei D. João II construir o Castello da Mina.
1470/02/01
«1470 · l de Fevereiro, o Papa II, em virtude de, pela morte do infante D. Fernando, em 18 de Setembro de 1470, ter ficado
vago o cargo de Governador e Administrador da Ordem Militar de Cristo - e em face da
solicitação feita por D. Afonso V - concede pelas le tras Dum regalis a D. Diogo (filho do falecido infante D. Fernando)
\vitaliciamente o cargo de Administrador e Governador
da Ordem de Cristo, competindo-lhe governá-lo, por si ou por outrem, nas coisas
temporais, visto que nas questões espirituais deveria superintender
pessoa ou pessoas idóneas da Ordem; em virtude de D. Diogo contar então apenas 8
anos de idade, ficava confiada a D. Afonso V, e aos tutores e curadores de D. Diogo, a função de Administrador e Governador até que D. Diogo atingisse a
maioridade.
Os rendimentos da Ordem de Cristo eram computados em 8.000
libras tornezas pequenas, destinavam-se a prover às necessidades da
Ordem, não devendo D. Diogo, ou os indivíduos designados para o substituir enquanto durasse o impedimento da
sua menoridade, alienar bens imóveis ou móveis preciosos.
Por morte do Papa Paulo II em 28 de Julho de 1471, sucede u-lhe em Agosto de 1471, Xisto IV, a quem o Rei solicitou a confirmação das disposições do seu
antecessor acerca da Ordem de Cristo; alcançando D. Afonso V «toda
plenaria e livre aministraçam do Mestrado de Christos» enquanto
durasse a menoridade de seu sobrinho D. Diogo, função que exercitou - presumivelmente sem a colaboração dos tutores e curadores de D. Diogo até 1475, designando D. Afonso V, por carta de 15 de Abril de 1475, Governadores e
Administradores da Ordem de Cristo Fr. Pedro de Abreu, Vigário de Tomar, e Fr. Antão Gonçalves, Alcaide-mor do castelo de Tomar; designação confirmada
pelo Pontífice em 19 de Junho de 1475, em que nomeia a infanta D. Brites, mãe de D.
Diogo, Administradora no temporal da
Ordem de Cristo, enquanto durasse a menoridade de seu filho e por virtude de D. Afonso
V
dessa função se
ter escusado para se dedicar às campanhas de
Castela, motivadas pelo seu casamento com D. Joana, a Excelente Senhora (29).
(29) - Concessão pormenorizada e documentada em Dias
Diniz – Reflexos políticos do segundo testamento henriquino,
p. 29-33, p. 48-55.»
Jorge Faro, Duas
expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D.
Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º
45, Janeiro 1957
1470/08/11
«1470 - 11 de Agosto, carta de lei de D. Afonso V autorizando os escrivães, que na Guiné faziam o inventário das
mercadorias resgatadas, e de outros quaisquer direitos, a poderem servir juntamente em outra qualquer repartição da Fazenda (27).
(27) - Doc. transcrito em Livro de Extras, fl. 53 "·º, Arq. Nac. da Torre do Tombo.»
Jorge Faro, Duas
expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D.
Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º
45, Janeiro 1957
1470/10/10
Os
rendimentos de Cabo Verde e Guiné passam à viúva do Infante D. Fernando, D.
Beatriz, tutora de D. Diogo, Duque de Viseu.
1470/10/19
«1470 - 19 de Outubro, carta de D. Afonso V
declarando que: Examinou os Regimentos, dados pelo infante D. Henrique aos que com
sua licença iam em caravelas e navios resgatar nos tractos e terras da Guiné;
verificando,
por esse exame, que sempre fora vedado aos mercadores resgatarem «gatos d'allguallea (gatos
almiscarados), malagueta e toda espeçiaria, allicornees» para
eles, visto o resgate dessas matérias pertencer exclusivamente
ao Infante;
Posteriormente à morte de D. Henrique, «por estas ditas cousas ... emtam, nom
serem descubertas
nem achadas», os oficiais
que, em nome do Rei, concediam os «privilégios e liçemças .. . pera os
ditos trauctos e terras de Guinee» deixiaram de nelas especificar
que
o
resgate das matérias em questão ficava excluído das concessões;
«Avemdo nos ora fundamento no suso dito
e
confirmando asi por nosso serviço, e pollos dos nossos regnos, e boa hordem e aviamento
dos ditos
nossos trautos de Guinee, determinamos, declaramos, mandamos e defendemos que em privilegio ou liçemça allgúa
que atee ora tenhamos dada, nem daqui endiante
demos a quaaesquer lugares ou pessoas particulares, de qualquer estado e condiçam
que sejam, pera os ditos nossos trautos e terras de Guinee
poderem resgatar, se não entendam as ditas cousas, nem a cada húa delas, a saber: guatos d'allguallia,
malagueta e toda
outra especiaria, allicomees que pera nos somente reservamos»; igualmente proíba
que fossem resgatadas pedras preciosas, «tintas de brasil ou allacar que daqui adeante forem achadas ou
descobertas»;
Todo aquele que, embora devidamente autorizado a eíectuar o resgate na Guiné,
tivesse obtido para si, todas ou qualquer das
mercadorias excluídas pelo Rei do comércio jurídico privado, por serem
objecto exclusivamente dos seus
direitos, incorreria na pena de apreensão
e
confisco dos navios e fazendas (28).
(28)- Doc. em: Cancelaria de D. Afonso V, 1.º 21,
fl. 56 v.º; transcrito em Livro de Extras, fl. 56; Arq. Nac. da Torre do Tombo. Com ligeiras variações e omitindo a data vem este doc.
publ. em Livro vermelho de D. Afonso V, doe. n.º 20, p. 458-459.»
Jorge Faro, Duas
expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D.
Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º
45, Janeiro 1957
1471
«1471 -· Concessão feita por D. Afonso V a seu filho, o Príncipe herdeiro D. João, dos tractos e rendas da Guiné; precisar a data em que se efectuou esta concessão
-
enquanto não surjam documentos directa e claramente esclarecedores - é para nós
impossível.
Com efeito Damião de Gois (30), no capítulo «em que brevemente se trattam, algúas cousas que neste armo de mil, e quatroçentos, e settenta, e hum
se passaram nestes Regnos», refere que «depois d'el Rei Dom Afonso tornar
aho Regno (chegou a Silves, vindo da
conquista de Arzila e Tànger, 1a 18 de Setembro de 1471), tendo ja dada há governança
das
cousas
d'Africa
aho Prinçipe, has quaes elle com hos do seu conselho governava com muito tento, e prudençia, lhe fez doaçam
das rendas da alfandega de Lisbõa e dos trattos e rendas de Guiné, com a governança de tudo ho que era atte aquelle
tempo descuberto, entrando e lle já em idade de dezasette annos, hos quaes trattos
entam trazia arrendados Fernam Gomez de Mina; dado que o Príncipe D. João nasceu em
3 de Maio de 1455, depois de 18 de Setembro de 1471 entrava, com efeito, «elle já em idade de
dezasete anos». Convém no entanto advertir-se que, no mesmo capítulo, Damião de Gois atribui a 1471 a feitura por D. Afonso V da lei
proibindo aos comerciantes, resgatarem nos tractos da Guiné, gatos almiscarados,
malagueta e
especiarias, e unicórnios, que conforme anteriormente vimos - é datada de 19 de Outubro de 1470 no registo exarado
na Chancelaria de D. Afonso V.
Aliás, já anteriormente a 1469, mas em data
posterior a 1466, o Príncipe possuía o resgate de Arguim
por el Rei lho ter dado «em parte do assentamento que dele tinha», segundo João de Barros (obra
citada na nota n.º 26), e sempre o deveria ter usufruído visto que – contrariamente ao que afirma João de Barros, que
atribue o aumento de 100.000 reis na renda do contrato de Fernão
Gomes em 1470 ao facto dele passar a explorar
também o tracto de Arguim - Fontoura da Costa, no
trabalho referido na nossa nota n. º 25, provou - pelo
exame da carta régia de 1 de Junho de 1473, pela qual
foi feita a prorrogação por mais um ano do contrato de Fernão
Gomes
-
que o aumento de 100.000 reis em 1470 (Novembro?)
proveio da adjudicação a
Fernão Gomes do exclusivo do resgate da malagueta que, como já vimos, fora
considerada monopólio da Coroa pela carta de D. Afonso V de 19 de Outubro de 1470.
(30) - Cronica do príncipe Dom Joam, cap. 32, p. 89-91.»
Jorge Faro, Duas
expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D.
Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º
45, Janeiro 1957
1471/1474
«1471-1474-O valor económico, dos rendimentos
dos tractos e rendas da Guiné que o Príncipe recebia,
é computado em 4 contos por ano, segundo se menciona
no Rol das «cidades, e villas e lugares, e outras rendas que el Rey Dom Afonso
deu des que foi Rey», rol que, como anteriormente dissémos, precede, nos quatro manuscritos
referidos, a relação das despesas desde a tomada de
Ceuta
a 1473 (31).
(31) - FI. 23 v.0 do manuscrito mandado copiar por Manuel Severim de
Faria, pertencente hoje à Biblioteca particular do Sr. Visconde da Trindade - por nós descrito a propósito do
texto (I); fl. 242 v.º do manuscrito 51-V-35 da Biblioteca da Ajuda, Lisboa - por nós analisado
quando referimos o texto (IV).»
Jorge Faro, Duas
expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D.
Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º
45, Janeiro 1957
1471/03/12
Inaugurada com a
nomeação do primeiro almoxarife para a ilha de Santiago, em 1471 (107),
podemos considerar como limite natural desta primeira fase de construção da
organização régia em Cabo Verde o momento que imediatamente antecede ao da
fundação das instituições cimeiras da administração local: as Provedorias dos
Órfãos, dos Defuntos e da Fazenda régia, o Governo e a
Ouvidoria geral das ilhas. 107 - ANTT, Chanc.
de D. Afonso V, liv. 16, fl. 133 vº., in João Martins da Silva Marques, Descobrimentos Portugueses (1461-1500), vol.
III, Edições do Instituto para a Alta Cultura, Lisboa, 1988, doc. 68,
12-Mar-1471.
DIOGO
LOPES 1º almoxarife da ilha de Santiago. 1º Contador da Ilha de Santiago (1480) . Foi lhe concedido de mantimentos o dobro do Reino.
Foi antes morador da Ilha da Madeira e criado de DIOGO DA SILVEIRA. JOÃO CORREA é o seu escrivão.
«Quanto
aos rendimentos, pensou-se na melhor forma de os fiscalisar tendo sido nomeado
em 12 de março
de 1471 o primeiro almoxarife (Oficial
da fazenda real que arrecada as rendas e direitos reaes; o administrador ou
feitor das propriedades que pertencem ao Rei.), cargo que recahiu em Diogo
Lopes creado de Diogo da Silveira, cuja nomeação dizia: recomendo aos feitores
da nossa fasenda e aos capitães da dita ilha,
e a quaisquer outros nossos ofliciaes, e pessoas a que isto pertencer, e a
esta nossa caria for mostrado, que hajam o dito Diogo Lopes por nosso almoxarife
na dita ilha e que lhe dem logo a posse. Tem todas as rendas e direitos,
e quaes outras cousas, que nolas pertencem, ou pertencerem na dita ilha e tem
164 r'is para mantimentos, dobro do que os outros recebem no reino (Livro
16, D. Atfonso 5.º fl33 v.)»
Subsidios para a
História de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de
Senna Barcellos, parte I, pgs. 35, Lisboa, Imprensa Nacional, 1899
1472
O documento que
institucionalizou o Conselho no arquipélago foi a Carta Foral implementada pelo
infante D. Henrique e mantida por D. Afonso V em 1472 e por D. Manuel em 1515, esta permitia a auto organização dos
habitantes de uma área geográfica através do reconhecimento da capacidade que
uma comunidade tinha para se administrar e gerir.
SEBASTIÃO
GONÇALVES Escudeiro do Rei
Carta de escudeiro d'El Rei -"…nos tomamos ora por
nosso escudeiro e em nossa espiçial guarda e em comenda Sebastiam Gonçalvez escudeiro morador em
a ylha de Santiago…" (1472)
FERNÃO
GOMES obtém autorização para alargar os direitos sobre o tráfico
de escravos e ouro, para limitar o comércio de produtos domésticos e dos bens
preciosos por cabo-verdianos para os produzidos nas ilhas.
A ilha de Santiago, correntemente chamada
“ilha do Cabo Verde” ou simplesmente “o Cabo Verde” foi o local da primeira feitoria da costa guineense, o seu porto da
Ribeira Grande constituindo a escala obrigatória para todos os navios em
trânsito para ou da Guiné, segundo a carta régia de1472 (7.)
7 M. M. F. Torrão, "Actividade comercial…”, HGCV, I, p. 239 e passim.
A
carta régia de 1472 introduziu alterações importantes ao estipulado em 1466 10,
das quais nos interessa aprofundar aqui a questão do “limite” sul do comércio
de Santiago. O termo entre aspas (a analisar adiante), que ficou no léxico da
comunidade mercantil cabo-verdiana, resulta da própria forma verbal “limitar”
que se usou no documento oficial de 1472 11.
Recentemente,
chamou-se a atenção para o carácter não exclusivamente restritivo da
carta régia de 1472, no sentido em que se visava, por um lado, clarificar as
cláusulas de 1466 e reforçar o estímulo a um desenvolvimento do povoamento e
colonização de Santiago que tinha sido, afinal, o motivo das primitivas
concessões 12. Poderá, também, ser reequacionada a interpretação mais corrente
das restrições da zona de comércio que foram feitas em 1472: “até Serra Leoa”,
como se lê no diploma, significa inclusive ou exclusive a Serra
Leoa? De facto, segundo este diploma, o espaço comercial que deveria ser
exclusivo dos moradores de Santiago era equivalente àquele que tinha sido
descoberto até à data da concessão do privilégio de 1466. Ora esse espaço
abrangia necessariamente a Serra Leoa à luz dos critérios vigentes da sua
definição atrás mencionados.
A
única menção específica a uma proibição aparece no Manuscrito de Lisboa do Tratado,
mais antigo (c. 1592-1593) e com menor auto-censura que o Manuscrito do Porto
(1594) (v. infra, no cap. 2.4., a análise destes manuscritos). Aí,
mantendo sempre a interpretação cabo-verdiana da carta régia de 1472, Almada atreve-se a exprimir a sua revolta
contra o defeso imposto aos moradores das ilhas (presume-se) de comerciarem “da
serra para baixo”, isto é a sul da Serra Leoa, inclusive na costa da Malagueta 37.
37 “mas oje
não vejo senão leis postas contra nós, porque nos defendem que não vão á costa
da Malagueta nem da Serra pera baixo, so[b] pena de perdimento de nauio e
fazenda, e mais penas crimes”, Almada, Tratado, p. 148, n. 6.
1472/02/08
Carta régia limitando
os privilégios concedidos aos colonos de Cabo Verde em 12 de Junho de 1466.
Sucedendo-se a partir de então restrições a esta situação privilegiada dos
moradores de Santiago e obriga-los a apostar nas culturas locais, as únicas a
que estavam autorizados a comerciar com a costa africana. A inércia inicial ao
povoamento da ilha havia sido ultrapassada.
A
Carta de limitações dos privilégios,
de 1472, estipulava que os moradores não mais pudessem comerciar livremente com
a Guiné todos os produtos que por ventura tivessem (como faziam anteriormente,
salvo armas, navios e ferramentas), mas tão somente as mercadorias fruto de
suas “novidades e colheita”, ou seja, produzidas na própria ilha. Os navios
também deveriam “ser de pertença dos moradores e por eles armados e
capitaneados, ficando vedada a parceria com não moradores, nacionais e
estrangeiros” 13.
Esta
restrição, ao mesmo tempo em que limitava o resgate às, provavelmente, ainda
incipientes mercadorias produzidas na própria ilha, compelia à real ocupação do
território de forma produtiva, atrelando a atividade mercantil a uma
correspondente produção interna assentada na propriedade rural. Esta medida
contribuiu para a conversão do capital mercantil para o capital produtivo,
quando não, na conversão de mercadores em terratenentes. Ou seja, houve
a formação de uma elite de armadores proprietários rurais. 14
13 BRÁSIO. Monumenta,
2ª série, I. Doc. nº 67.
14 CARREIRA, António. Cabo Verde... op. cit. p. 41.
Conforme
a Carta do rei D. Manuel de 1472, acima referida:
“Nós
El Rei fazemos saber a quantos este nosso alvará virem que considerando nós a
perda e dagno que os moradores da nossa Ilha de Santhiago tem feito com suas
armações nos nossos resgates de Guiné de maneira que os tem tão abatidos por a pouca valia e estima em que tem postas as
nossas mercadorias e a careza em que lhe tem alçadas as suas, que há mui pouco ganho e que muita parte deste dagno e perda tem feito os
homens brancos que nas ditas partes de Guiné são LANÇADOS com os negros,
determinados ora vedar o dito resgate aos moradores da dita Ilha e mais
queremos dar forma como os ditos homens brancos, pois estão em tanto desfamas
de Deus e nosso e condenação de suas almas sejam das ditas partes lançados commandamos dar e cometer com todas suas
fazendas aos Reis e negros donde estiverem pêra que os matem ou entreguem so
capitães dos nossos navios (...).”
«Os lançados foram, pois, os pioneiros
do pequeno comércio africano e das pequenas colónias europeias fixadas na costa
ocidental de África. Não pode dizer-se que a
existência dêstes primitivos africanistas fôsse muita próspera e
brilhante. Vivendo em simples palhotas de pretos, geralmente
aliados
a uma ou mais mulheres
indígenas, cujos hábitos e princípios fàcilmente adoptavam, os lançados
não tinham sequer a compensar as possibilidades de realizar fortunas apreciáveis, porque
estavam sujeitos às arbitrariedades e caprichos dos chefes indígenas, cujas exigências tinham de satisfazer
sob pena de perder todos os seus fracos haveres e até as
próprias vidas.
A sua condição financeira e o seu modo de vida estavam longe de
poder
comparar-se com a dos
colonos
europeus que desde ó alvorecer do século XVI se
iam fixando na América tropical.
Aqui, os brancos eram senhores das
terras e tinham os escravos aos seus serviços; na costa de Guiné, eram os régulos locais que exerciam a soberania absoluta
e sujeitavam os comerciantes brancos ao pagamento dos impostos e outras arbitrariedades.»
João
Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 69
1473
Falecimento de DIOGO
AFONSO donatário da parte norte da ilha de Santiago. RODRIGO AFONSO substitui-o até 1505.
Parece averiguado que Diogo Affonso, donalario da parte norte da
ilha falleceu em 1473 como se deduz da carta passada por D. Affonso V em 9 de abril
do mesmo anno a Rodrigo Affonso, sobrinho d'aquelle donatario; e que antes
d'esse anno tambem já era fallecido João Affonso, seu filho unico.
FERNÃO
GOMES. Rendeiro dos dízimos da terra das ilhas de Santiago e Fogo.
Foi provavelmente o descobridor de Cabo Verde com António de Noli.
FREI
JOÃO. Frade da Ordem de São Domingos. Vigário da Capitania de
Fernão Gomes (Alcatrazes)
1473/04/09
Mercê a RODRIGO AFONSO
de metade da ilha de Santiago. Dom Manuel concedeu a Rodrigo Afonso amplos poderes sobre a
capitania doada:
“Dom Manuel &. A quantos esta carta nossa
virem fazemos saber que por parte de Rodrigo Afonso do nosso conselho foi
apresentada huua nossa carta (... E querendo lhos em alguma parte gallardoar,
assim como é razom e elle merece assim por lhe fazer graça e mercê, tenho por
bem e lhe faço doaçam da capetania da minha Ilha de Santhiago daquella parte
della que lhe já foi assinada, que he a banda norte (...) Outro sim me praz que
elle tenha em a dita terra de sua capitania a jurdiçam por mi e em meu nome do
cível e crimee, resalvando moorte ou talhamento de nembro (...) Outrosi me praz
que de todo ho que se ouverr de remela na dita terra de sua capitania (...)
Item me praz que elle possa dar por suas cartas a terra de sua capitania forra
pello forrai da dita Ilha a quem lhe prouver tal condiçam que aquelles a quem a
derem aproveitem atee cimquo annos, e nam aproveitamdo que a possam dar a
outrem (...).”
A Carta de doação feita
por D. Manuel a Rodrigo Afonso, reservava para a Coroa portuguesa o direito de
decisão sobre a pena de morte ou a mutilação de membros. Ainda obrigava o
donatário a conceder terras a quem julgasse ter melhor condição para
explorá-las, o que deveria ser feito em um período de cinco anos, sob pena de
as terras serem confiscadas e arrendadas para outra pessoa. Em outros termos, a doação configurava um
direito adquirido sob a forma de benefício, mas sempre respeitadas as condições
impostas pela Coroa portuguesa.
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