quarta-feira, 24 de junho de 2015

COLONIZAÇÃO DA GUINÉ (1468-1474)

1468
«Ao longo de todo o Antigo Regime, o principal beneficiário do tráfico de escravos foi o próprio Estado.
Desde a morte do infante D. Henrique, em 1460, que o comércio africano era monopólio da Coroa, o que significava que os navios que navegavam para África necessitavam de autorização prévia do rei e que os produtos que de chegavam estavam sujeitos ao pagamento de direitos e impostos. Essas funções competiam inicialmente à Casa do Trato da Guiné, com sede em Lagos, que foi transferida para Lisboa em 1468 com o nome de Casa da Mina e Tratos da Guiné, ou só Casa da Mina.
Na Casa da Mina foi criada, em 1486, uma repartição destinada a superintender o tráfico dos escravos, a chamada Casa dos Escravos, cujo edifício, além de acolher a parte administrativa, dispunha também de um grande armazém onde eram concentrados os cativos após o desembarque. Aliás, em 1512, o rei D. Manuel proibiu expressamente que fossem desembarcados fora de Lisboa quaisquer escravos trazidos a Portugal.
O número de escravizados entrados no país subiu de algumas cenrenas no fim do século xv para urna média anual de cerca de 2500 nas duas primeiras décadas do século XVI. Provenientes da Senegâmbia (a maioria) ou do golfo da Guiné, muitos desses escravos eram reexportados, como já se disse atrás, para o Sul de Espanha, de onde uma parte deles era, por sua vez, remetida para as Antilhas.
Quando, em 1518, foi autorizada pelos reis de Portugal e de Espanha a exportação direta de escravos para a América Espanhola a partir de Cabo Verde e de São Tomé, diminuiu a importância de Lisboa como cenrro de distribuição, mas não como centro de adminisrração e controlo.
Entre as competências da Casa dos Escravos (e que depois irão passar para outros organismos) estavam: a venda de licenças para o tráfico; o arrendamento a terceiros, em regime de monopólio, do comércio em determinadas áreas do litoral africano; e a concessão a particulares, mediante pagamentos anuais, de contratos de exploração dos direitos régios em áreas povoadas e com atividade económica própria, como Cabo Verde ou São Tomé.
A outra solução usada pela Coroa foi a administração direta dos monopólios comerciais pela Fazenda Real, o que exigia montar um corpo de funcionários especializados, pagos com as receitas que resultavam da sua ação, em geral mais motivados pelos interesses privados do que pelo serviço do rei e demasiado recetivos à corrupção.
Ao arrendar esses recursos a capitalistas privados, a Coroa poupava em meios humanos e em despesas, e, sobretudo, garantia receitas fixas, não sujeitas às oscilações e caprichos do mercado. Não se livrava, claro, dos ataques do contrabando, muitas vezes promovidos pelos próprios contratadores. E também não tinha como fugir ao problema dos pagamentos, que nem sempre eram tão vultuosos e pontuais como estabelecia a letra dos contratos, embora, para os garantir, se exigisse fiadores abonados e credíveis.
Ainda no século xv, o banqueiro e armador Bartolomeu Marchionni, representante dos Médicis em Portugal, aparece como arrendatário do «rio dos Escravos», entre 1486 e 1493, e dos «rios da Guiné de Cabo Verde» (Senegâmbia) entre 1490 e 1495. Em 1502 e 1503 essa área passa para Fernando (ou Fernão) Loronha, ativo mercador cristão-novo, cavaleiro da Casa Real, que tivera por duas vezes o monopólio do comércio do pau-brasil e foi um dos primeiros a conseguir o contrato de abastecimento de escravos e vinho a São Jorge da Mina.
Outras áreas houve colocadas sob regime de exclusividade, como a da Serra Leoa ou a dos rios Cantor e Gâmbia, esta arrendada ao comerciante João Rodrigues de Mascarenhas.
As maiores receitas iriam vir, no entanto, dos arrendamentos para a cobrança dos direitos régios nos arquipélagos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe e, a seu tempo, no «reino de Angola».
Os contratos de arrendamento nas ilhas de Cabo Verde iniciam-se em 1501 e mantêm-se durante cerca de 20 anos. Depois disso, na perspetiva de grandes lucros que nunca se concretizaram, a Coroa tenta o regime de administração direta. Quando, em 1535, se regressa ao modelo de arrendamento a particulares, o contrato para a cobrança dos direitos sobre os escravos trazidos da costa de África surge separado do das outras mercadorias entradas ou saídas das ilhas, o que mostra a importância que o tráfico de mão-de-obra estava a ter na economia do arquipélago. E os contratos passam a ter a duração de seis anos, em vez dos três habituais.
À medida, porém, que o comércio dos «rios da Guiné» se autonomiza, passando a fazer-se diretamente com as Américas, o tráfico negreiro vai-se progressivamente afastando do arquipélago cabo-verdiano e, a partir do século xvii, em muitos dos anos, não há sequer quem arremate o contrato.
Não sabemos que valores atingiu o arrendamento dos direitos no período de maior prosperidade dos negócios em Cabo Verde. Para o período de 1602-1606, Jácome Ficher e Custódio Vidal, com pouca experiência neste negócio, arremataram-no por 27 000$000 mas, em 1605, tiveram de largar o contrato por incumprimento. No seguimento, o mercador lisboeta cristão-novo João Soeiro conseguiu o arrendamento por 16 000$000 réis anuais e a partir de então os valores do contrato foram sempre abaixo dessa ordem de grandeza»
ESCRAVOS E TRAFICANTES NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O comércio negreiro português no Atlântico durante os séculos xXV a XIX, Arlindo Manuel Caldeira, A Esfera do Livro, Lisboa, 2013, pg. 158-160
1469/11/00
«1469 - Novembro, D. Afonso V arrendou por 'cinco anos a Fernão Gomes o exclusivo da exploração comercial da costa da Guiné, mediante o pagamento da renda anual de 200.000 reais e a obrigação de, em cada ano, descobrir cem léguas de costa a partir da Serra Leoa. Ficaram excluídos do contrato: o tracto da zona de Arguim, presumivelmente pelo facto de «el Rei o ter dado ao Príncipe (D. João) em parte do assentamento que dêle tinha»; o tracto da zona de terra firme, fronteira às ilhas de Cabo Verde, por ele ficar para os moradores delas, zona esta que (segundo identificação de João Barreto (24), baseado em André Álvares de Almada - Tratado breve dos rios da Guiné de Cabo Verde) deveria ser compreendida entre os rios de Senegal e de Serra Leoa. Todo o marfim resgatado deveria ser vendido ao Rei à razão de 1.500 reais o quintal, ficando Fernão Gomes com o direito de todos os anos resgatar um gato almiscarado, animal este muito valorizado em virtude de produzir urna substância aromática usada para a preparação de perfumes e em terapêutica.
Em 1470 a renda anual foi aumentada de 100.000 reais por Fernão Gomes ter conseguido o exclusivo do resgate da malagueta, conforme acertadamente deduziu Fontoura da Costa (25). Por carta régia de 1 de Junho de 1473 foi o arrendamento prorrogado por mais um ano (26).
(24) - História da Guiné, p. 66, nota (a).
(25) - Em A actividade dos descobrimentos desde a morte de D. Henrique até ao advento de D. João II, em Hístório da Expansão Portuguesa no Mundo, vl. 1.0 , cap. IX, p. 359.
(26) - João de Barros-Asia, década l.ª, l.• 2.•, cap. 2, p. 71-73; Damião Peres - História dos Descobrimentos Portugueses, p. 144-145.»
De Novembro? de 1469 a 1474, D. Afonso V continua detendo o pleno domínio e jurisdição da Guiné, mas as armadas que ele enviasse - dado que a continuação do descobrimento e reconhecimento geográfico para o Sul tinha sido adstrito a Fernão Gomes - apenas poderiam visar: a caça aos corsários que andassem realizando ilegalmente o tracto e assaltassem os navios autorizados a resgatar, os quais pertenciam a Fernão Gomes, ao Príncipe e aos indivíduos a quem ele desse licença para traficar na zona de Arguim, aos moradores de Cabo Verde que visassem o resgate na sua zona, (embora a função de caça aos corsários devesse ser realizada principalmente por Fernão Gomes, como forma de defesa da integral usufruição dos seus direitos, é admissível que também pudesse ser prosseguida pelo Rei); o resgate de gatos almiscarados e unicórnios, e – anteriormente a Novembro? de 1471, data em que esse resgate foi concedido a Fernão Gomes - malagueta; no entanto é de presumir que os navios régios, mesmo neste período, desde que autorizados por Fernão Gomes e mediante o pagamento a este de certos direitos, pudessem ir realizar o resgate de outras mercadorias aos tractos da Guiné.»
Jorge Faro, Duas expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957




 Brasão de armas de Fernão Gomes da Mina, o primeiro grande negreiro atlântico. Figuram no brasão com que foi agraciado as «mercadorias» que tinham feito a sua forruna: ouro e escravos africanos. (Livro da Nobreza e Perfeiçam das Armas de António Godinho, c. 1500. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa)

1469 Fernando Gomes, um mercador de Lisboa, adquire os direitos exclusivos do comércio em escravos, ouro e outros bens de valor, na Costa da Guiné, sob a condição de "descobrir" 100 léguas de costa e pagar uma soma fixa à Coroa por cada um dos cinco anos do contrato. A área da costa em frente de Cabo Verde estava excluída do seu domínio, juntamente com a área junto à fortaleza de Arguim, a primeira tendo sido atribuída a mercadores de Santiago. Em 1472, Fernando Gomes conseguiu que a Coroa alargasse o âmbito do seu contrato de comércio individual, restringindo o comércio por caboverdianos apenas a produtos caboverdianos. Parcerias entre caboverdianos e estrangeiros eram proibidas. Este sistema permaneceria em vigor até meados do Séc. XVII.
Os escravos vendidos no mercado de Santiago eram classificados em três tipos. Por ordem crescente de valor, eram boçais (de boçal: ignorante), escravos recém- importados que falavam apenas as suas línguas nativas; ladinos, escravos residentes há mais tempo em Santiago que tinham aprendido Kriolu, tinham sido baptizados e "ensinados a trabalhar"; e naturais, os nascidos em Cabo Verde (Carreira 1972: 267 citado por Meintel).
Em 1469, por contrato, a coroa arrendou o comércio da Guiné ao mercador Fernão Gomes que viu confirmado esse arrendamento no reinado de D. João II (1481-1495), para explorar o litoral africano a sul da Serra Leoa. Desde então, os mercadores caboverdeanos começaram nas tarefas comerciais nas zonas próximas da foz dos rios guineenses, onde se fixaram alguns mercadores. Por isso é que, desde o início, a história da Guiné integra-se na de Cabo Verde.
A costa ocidental da África mostrava-se atractiva para o lucro dos mercadores e para a Coroa. Da Guiné saíram não só bens de comércio mas também e especialmente muitas pessoas - os escravos - que eram considerados verdadeiras mercadorias.
Fernão Gomes, um comerciante de Lisboa possui os direitos exclusivos para negociar escravos e ouro em Cabo Verde e ao longo da costa da Guiné (ele foi obrigado a explorar cem léguas a oeste da Serra Leoa em troca de tais concessões).
«Em primeiro lugar a concessão de Fernão Gomes em 1469-74.
Deixemos tudo o mais e as peripécias que rodeou esta concessão mercantil onde a troco de uns patacos para a coroa se fez uma enormíssima fortuna, ou melhor, se fizeram enormíssimas fortunas pois os homens que Fernão Gomes associou a si - famosos pilotos e capitães - foram partícipes indirectos nesses enormes lucros do concessionário.
Após peripécias e desforços vários com o Monarca, Fernão Gomes construiria no espaço atlântico uma verdadeiro potentado marítimo e mercantil de uma extraordinária dimensão geográfica, que jamais alguém conseguiu igualar: o maior espaço mercantil concedido a um particular na Europa do seu tempo Infelizmente não conhecemos o texto em que se estipularam os termos e exactas condições deste arrendamento ou “conçerto” (tal como a da renovação de 1473). Ignoramos, assim, os exactos termos e condições deste contrato de arrendamento. Mas é seguro que houve uma “Carta de Contrauto” onde se especificavam a “maneira e condiçõões e declaraçõões e cousas com que lho temos dado e outorgado” estipulando condições possivelmente mais pormenorizadas do que as sumariadas pelos cronistas.
O seu conteúdo foi mais largamente anotado por Barros e são os termos e cláusulas sumariadas por este cronista que se têm sido tomadas como o conjunto de condições mutuamente aceites em Novembro de 1469.
Para além de algumas determinações específicas, retenhamos o essencial para o ponto aqui em análise:
O arrendamento ou concessão, do comércio (por quatro anos mais um) incluía toda a extensão da costa que viesse a descobrir e explorar, além dos limites da Serra Leoa. Na verdade o arrenadamento dos tratos incluía a obrigação de navegar e explorar, pelo menos, 100 léguas de costa ”de maneira que no cabo de seu arendamento, désse quinhentas légoas descubertas”.
Ressalte-se um aspecto pouco focado com esta concessão: a Coroa impunha a colocação de Padrões nas terras que e viesse a descobrir. Com esta cláusula a coroa quase que se resigna e se limita a reivindicar para si uma mera posse administrativa em termos de titularidade.
Tudo ficava neste acorde ou concessão a exclusivo encargo do Concessionário, que organizaria o trato conforme o entendesse e mediante ainda um pagamento anual ao Monarca de 200.000 reais brancos (que pareceu quase simbólico como o Povo o referia em Cortes, logo
depois).
Posteriormente a este Contrato com o Rei, viria Fernão Gomes a acertar outro com o Príncipe D. João. Embora não se saiba exactamente quando, assegura Barros que veio efectivamente o mercador a negociar com o Príncipe o comércio de Arguim que Afonso V não incluiu no seu primeiro contrato assenhoreando-se também deste rico trato da costa.
Não se pense, porém, que de 1469 em diante tudo se deve apenas a Fernão Gomes. Há outros grandes mercadores e os capitães e pilotos que com ele colaboraram (e ao serviço do qual efectivamente estiveram) os quais foram participantes, intervenientes e interessados activos, nesse mesmo comércio e que, por aqui, foram botando e deixando raízes.
Desconhecemos os termos exactos dessa associação mercantil que este Fernão Gomes utilizou para a exploração do Golfo entre a Serra Leoa e o Cabo de Santa Catarina, mas, no mínimo, ela deveria ter-se pautado pelas normas então em voga nos meios náuticos: a parceria, qualquer que fosse a percentagem estipulada com cada um deles.
Parceria que implicou obrigatoriamente com este o estabelecimento de contratos ou até subcontratos de participação envolvendo esses pilotos, capitães e até marinheiros que nas mesmas viagens participavam. Uns no local ou caminhos do trato, outros na logística e preparação de meios em Lisboa. (construção, aluguer e apresto das embarcações etc.) Subcontratos, por seu turno estabelecidos com outros mercadores, alguns dos quais já incluídos ou referenciados pelo próprio monarca.
A preservação desse circuito atlântico e áreas territoriais com ele envolvidas frente a outros interesses estranhos ficaria, depois, muito devedor também à acção deste mercador. Naturalmente em benefício directo próprio mas, indirectamente, garantindo aos nacionais as ricas áreas que obviamente sabia que a prazo lhe iriam sair das mãos em virtude do contrato a termo certo lavrado com a Coroa. É o caso da oposição frontal às tentativas dos italianos, “encabeçados” por António de Nola para penetrar nessas áreas quer a partir de Cabo Verde quer da Madeira.
Não sabemos que tipo de conflitos houve, mas que correram processos movidos por Fernão Gomes contra o genovês não fica dúvida. O pleito ficou documentado tendo obrigado o Monarca a intervir em 1472 na sequência dos letígios com o italiano cuja verdadeira dimensão e gravidade infelizmente desconhecemos (mas violentos, na opinião de Verlinden). Para além do mais, sob pena de confisco de todas as embarcações: “porque o dito capitamm foy e he demandado per o dito fernam gomez” (50).
Acautelando interesses próprios, um relevante serviço prestado a sua alteza nesta reserva estratégica do Atlântico onde fervilhava toda uma clientela nacional construindo uma área que emergia com um interesse económico decisivo para toda uma “maquina” estratégica em lançamento visando o assalto definitivo a outras áreas e espaços.»
As Concessões mercantis e a construção atlântica portuguesa, Aurélio de Oliveira, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, in Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades, Comunicações
Concessão da exploração e comércio da urzela a João e Pedro de Lugo. Nos primeiros anos após o descobrimento em que o povoamento se encontrava ainda muito incipiente o Infante D. Fernando, então donatário do arquipélago, fez “ (...) trato da urzela das suas ilhas de Cabo Verde com João de Lugo e Pêro de Lugo Castelhanos mercadores e moradores em Sevilha”.
O primeiro contrato para e exploração desse líquen em Cabo Verde que se tem conhecimento foi firmado em 1469/09/30 com os irmãos João de Pêro e Lugo, Castelhanos, que se ocupavam da mesma actividade nas ilhas Canárias, depois desse contrato há conhecimento que foram efectuadas mais de 13 novos contratos incluindo o da Companhia do Grão Pará e do Maranhão. Só esta empresa extraiu das ilhas 1.858 toneladas de urzela, cujo custo na origem foi de 250.530 mil réis, tendo em lucro cerca de 210 contos de réis. Houve um outro contrato da venda da urzela em 12 de Novembro de 1836 entre João António Martins e os Franceses. “Em 27 de Março de 1837 desembarcou-se do brigue Dois Amigos, de Manuel António Martins, na alfandega de Goré, 87 sacos de urzela” 13. “Em toda a ilha onde se apanha ou colhe a urzela há um comprador privado, essa pessoa é o feitor da fazenda real e ao mesmo tempo comandante militar, este tomava a urzela dos urzeleiros, não lhes pagavam em dinheiro, mas sim em géneros. Ele vai fazer as embarcações para os países externos, a maior parte dos lucros é para o comprador não para as pessoas que apanhavam” 14. As pessoas que apanhavam aperiguavam a sua vida para fazer a recolha, e os compradores privados compravam a um preço que não compensavam as canseiras, e as vezes eram pagas em géneros alimentícios. “O modo de comprar, pesar e pagar é a única causa da pouca urzela que se colhe, é certo que o preço de 25 rs.que se paga por cada libra é ténue, atendendo ao risco e trabalho, que há com aquela colheita”15. Isto é a sua principal causa da sua diminuta quantidade.
A urzela produz um corante de cor púrpura  (ou azul violáceo) que antes da invenção das anilinas sintéticas atingia grande valor para tingir têxteis. O extracto da urzela, agora denominado orceína ou azul de tornesol, continua a ter ampla aplicação como contrastante em microscopia e como base para indicadores químicos e bioquímicos. Entre as utilizações do corante conta-se o papel indicador, que em inglês deu origem ao teste de "litmus" tão utilizado na linguagem corrente.
Em Cabo Verde, onde a urzela se desenvolve em altitude até ao limite dos contra-alísios, a apanha da urzela constituiu até ao século XIX uma importante atividade, permitindo a subsistência em épocas de grave carestia causada pela seca. A sua apanha era porém muito penosa pois exigia o acesso a falésias e escarpas, causa de muitas mortes por queda.
1469 - Neste anno passou a Africa o Infante D.Fernando com huma Armada , em que levava muita e boa gente, e foi desembarcar em Anafe, que já tinha mandado reconhecer por Estêvão da Gama (1) , Fidalgo da sua Casa, o qual esteve alli disfarçado em mercador com huma pequena embarcação carregada de figos, e passas do Algarve. Os Mouros, quando vírao o numero dos navios Portuguezes, não ousarão opor-se ao desembarque, e desamparárão a Cidade e o Castello. O lnfante, não julgando acertado conservar esta conquista mandou queimar a povoação, depois desaqueada, e desmantelar as fortificações; e feito isto, regressou a Portugal (2).
Neste mesmo anno de 1469 arrendou ElRei o Commercio da Guiné (3) a FERNÃO GOMES, Negociante de Lisboa, por duzentos mil réis cada anno, devendo durar o seu Contracto cinco anos, obrigando-se elle a descobrir á sua custa cem legoas da Costa em cada anno, a começar da Serra Leoa para o Sul.
(1)Anafe. Tem uma Bahia de pouco abrigo, em que se pode surgir por 18 até 25 braças.
(2)Ruy de Pina, Cap. 110. - Damião de Goes , Chronica doPrincipe D. João, Cap. 17.
(3)Barros, Decada I, Liv.2, Gap.2.





Placa de latão do Benim representando um soldado português. De cada lado, aparecem manilhas de cobre, uma das principais mercadorias com que eram comprados os escravos nesse reino do delta do rio Níger. Século XVI. Museum für Volkerkunde, Viena, Áustria)



















1470
☻ Neste anno descobrio Soeiro da Costa o Rio, a que deo o seu nome (1), o qual se conserva ainda 'em todas as Cartas. (1)O mesmo Barros no lugar citado. Este Rio está situado na Costa Ocidental da Africa, obra de trinta legoas áquem do Cabo de Três Pontas.
☻ Partirão de Lisboa por ordem de FERNÃO GOMES, em duas Caravelas (2) JOÃO DE SANTARÉM, e PEDRO ESCOVAR, cavalleiros da Casa d’ElRei, e por seus pilotos MARTIM FERNANDES, e ALVARO ESTEVES, reputado pelo mais habil no seu tempo; e correndo a Costa de Africa além dos pontos já conhecidos, descobrirão em Janeiro do anno seguinte o lugar, a que se deu o nome de Mina pelo muito ouro que alli concorria; e não longe do qual mandou depois ElRei D. João II construir o Castello da Mina.
1470/02/01
«1470 · l de Fevereiro, o Papa II, em virtude de, pela morte do infante D. Fernando, em 18 de Setembro de 1470, ter ficado vago o cargo de Governador e Administrador da Ordem Militar de Cristo - e em face da solicitação feita por D. Afonso V - concede pelas le tras Dum regalis a D. Diogo (filho do falecido infante D. Fernando) \vitaliciamente o cargo de Administrador e Governador da Ordem de Cristo, competindo-lhe governá-lo, por si ou por outrem, nas coisas temporais, visto que nas questões espirituais deveria superintender pessoa ou pessoas idóneas da Ordem; em virtude de D. Diogo contar então apenas 8 anos de idade, ficava confiada a D. Afonso V, e aos tutores e curadores de D. Diogo, a função de Administrador e Governador até que D. Diogo atingisse a maioridade.
Os rendimentos da Ordem de Cristo eram computados em 8.000 libras tornezas pequenas, destinavam-se a prover às necessidades da Ordem, não devendo D. Diogo, ou os indivíduos designados para o substituir enquanto durasse o impedimento da sua menoridade, alienar bens imóveis ou móveis preciosos.
Por morte do Papa Paulo II em 28 de Julho de 1471, sucede u-lhe em Agosto de 1471, Xisto IV, a quem o Rei solicitou a confirmação das disposições do seu antecessor acerca da Ordem de Cristo; alcançando D. Afonso V «toda plenaria e livre aministraçam do Mestrado de Christos» enquanto durasse a menoridade de seu sobrinho D. Diogo, função que exercitou - presumivelmente sem a colaboração dos tutores e curadores de D. Diogo até 1475, designando D. Afonso V, por carta de 15 de Abril de 1475, Governadores e Administradores da Ordem de Cristo Fr. Pedro de Abreu, Vigário de Tomar, e Fr. Antão Gonçalves, Alcaide-mor do castelo de Tomar; designação confirmada pelo Pontífice em 19 de Junho de 1475, em que nomeia a infanta D. Brites, e de D. Diogo, Administradora no temporal da Ordem de Cristo, enquanto durasse a menoridade de seu filho e por virtude de D. Afonso V dessa função se ter escusado para se dedicar às campanhas de Castela, motivadas pelo seu casamento com D. Joana, a Excelente Senhora (29).
(29) - Concessão pormenorizada e documentada em Dias Diniz – Reflexos políticos do segundo testamento henriquino, p. 29-33, p. 48-55.»
Jorge Faro, Duas expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1470/08/11
«1470 - 11 de Agosto, carta de lei de D. Afonso V autorizando os escrivães, que na Guiné faziam o inventário das mercadorias resgatadas, e de outros quaisquer direitos, a poderem servir juntamente em outra qualquer repartição da Fazenda (27).
(27) - Doc. transcrito em Livro de Extras, fl. 53 º, Arq. Nac. da Torre do Tombo.»
Jorge Faro, Duas expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1470/10/10
Os rendimentos de Cabo Verde e Guiné passam à viúva do Infante D. Fernando, D. Beatriz, tutora de D. Diogo, Duque de Viseu.
1470/10/19
«1470 - 19 de Outubro, carta de D. Afonso V declarando que: Examinou os Regimentos, dados pelo infante D. Henrique aos que com sua licença iam em caravelas e navios resgatar nos tractos e terras da Guiné; verificando, por esse exame, que sempre fora vedado aos mercadores resgatarem «gatos d'allguallea (gatos almiscarados), malagueta e toda espeçiaria, allicornees» para eles, visto o resgate dessas matérias pertencer exclusivamente ao Infante;
Posteriormente à morte de D. Henrique, «por estas ditas cousas ... emtam, nom serem descubertas nem achadas», os oficiais que, em nome do Rei, concediam os «privilégios e liçemças .. . pera os ditos trauctos e terras de Guinee» deixiaram de nelas especificar que o resgate das matérias em questão ficava excluído das concessões;
«Avemdo nos ora fundamento no suso dito e confirmando asi por nosso serviço, e pollos dos nossos regnos, e boa hordem e aviamento dos ditos nossos trautos de Guinee, determinamos, declaramos, mandamos e defendemos que em privilegio ou liçemça allgúa que atee ora tenhamos dada, nem daqui endiante demos a quaaesquer lugares ou pessoas particulares, de qualquer estado e condiçam que sejam, pera os ditos nossos trautos e terras de Guinee poderem resgatar, se não entendam as ditas cousas, nem a cada húa delas, a saber: guatos d'allguallia, malagueta e toda outra especiaria, allicomees que pera nos somente reservamos»; igualmente proíba que fossem resgatadas pedras preciosas, «tintas de brasil ou allacar que daqui adeante forem achadas ou descobertas»;
Todo aquele que, embora devidamente autorizado a eíectuar o resgate na Guiné, tivesse obtido para si, todas ou qualquer das mercadorias excluídas pelo Rei do comércio jurídico privado, por serem objecto exclusivamente dos seus direitos, incorreria na pena de apreensão e confisco dos navios e fazendas (28).
(28)- Doc. em: Cancelaria de D. Afonso V, 1.º 21, fl. 56 v.º; transcrito em Livro de Extras, fl. 56; Arq. Nac. da Torre do Tombo. Com ligeiras variações e omitindo a data vem este doc. publ. em Livro vermelho de D. Afonso V, doe. n.º 20, p. 458-459
Jorge Faro, Duas expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1471
«1471 Concessão feita por D. Afonso V a seu filho, o Príncipe herdeiro D. João, dos tractos e rendas da Guiné; precisar a data em que se efectuou esta concessão - enquanto não surjam documentos directa e claramente esclarecedores - é para nós impossível.
Com efeito Damião de Gois (30), no capítulo «em que brevemente se trattam, algúas cousas que neste armo de mil, e quatroçentos, e settenta, e hum se passaram nestes Regnos», refere que «depois d'el Rei Dom Afonso tornar aho Regno (chegou a Silves, vindo da conquista de Arzila e Tànger, 1a 18 de Setembro de 1471), tendo ja dada governança das cousas d'Africa aho Prinçipe, has quaes elle com hos do seu conselho governava com muito tento, e prudençia, lhe fez doaçam das rendas da alfandega de Lisbõa e dos trattos e rendas de Guiné, com a governaa de tudo ho que era atte aquelle tempo descuberto, entrando e lle já em idade de dezasette annos, hos quaes trattos entam trazia arrendados Fernam Gomez de Mina; dado que o Príncipe D. João nasceu em 3 de Maio de 1455, depois de 18 de Setembro de 1471 entrava, com efeito, «elle em idade de dezasete anos». Convém no entanto advertir-se que, no mesmo capítulo, Damião de Gois atribui a 1471 a feitura por D. Afonso V da lei proibindo aos comerciantes, resgatarem nos tractos da Gui, gatos almiscarados, malagueta e especiarias, e unicórnios, que conforme anteriormente vimos - é datada de 19 de Outubro de 1470 no registo exarado na Chancelaria de D. Afonso V.
Aliás, já anteriormente a 1469, mas em data posterior a 1466, o Príncipe possuía o resgate de Arguim por el Rei lho ter dado «em parte do assentamento que dele tinha», segundo João de Barros (obra citada na nota n.º 26), e sempre o deveria ter usufruído visto que contrariamente ao que afirma João de Barros, que atribue o aumento de 100.000 reis na renda do contrato de Fernão Gomes em 1470 ao facto dele passar a explorar também o tracto de Arguim - Fontoura da Costa, no trabalho referido na nossa nota n. º 25, provou - pelo exame da carta régia de 1 de Junho de 1473, pela qual foi feita a prorrogação por mais um ano do contrato de Fernão Gomes - que o aumento de 100.000 reis em 1470 (Novembro?) proveio da adjudicação a Fernão Gomes do exclusivo do resgate da malagueta que, como vimos, fora considerada monopólio da Coroa pela carta de D. Afonso V de 19 de Outubro de 1470.
(30) - Cronica do príncipe Dom Joam, cap. 32, p. 89-91.»
Jorge Faro, Duas expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1471/1474
«1471-1474-O valor económico, dos rendimentos dos tractos e rendas da Guiné que o Príncipe recebia, é computado em 4 contos por ano, segundo se menciona no Rol das «cidades, e villas e lugares, e outras rendas que el Rey Dom Afonso deu des que foi Rey», rol que, como anteriormente dissémos, precede, nos quatro manuscritos referidos, a relação das despesas desde a tomada de Ceuta a 1473 (31).
(31) - FI. 23 v.0 do manuscrito mandado copiar por Manuel Severim de Faria, pertencente hoje à Biblioteca particular do Sr. Visconde da Trindade - por nós descrito a propósito do texto (I); fl. 242 v.º do manuscrito 51-V-35 da Biblioteca da Ajuda, Lisboa - por s analisado quando referimos o texto (IV).»
Jorge Faro, Duas expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1471/03/12
Inaugurada com a nomeação do primeiro almoxarife para a ilha de Santiago, em 1471 (107), podemos considerar como limite natural desta primeira fase de construção da organização régia em Cabo Verde o momento que imediatamente antecede ao da fundação das instituições cimeiras da administração local: as Provedorias dos Órfãos, dos Defuntos e da Fazenda régia, o Governo e a Ouvidoria geral das ilhas. 107 - ANTT, Chanc. de D. Afonso V, liv. 16, fl. 133 vº., in João Martins da Silva Marques, Descobrimentos Portugueses (1461-1500), vol. III, Edições do Instituto para a Alta Cultura, Lisboa, 1988, doc. 68, 12-Mar-1471.
DIOGO LOPES 1º almoxarife da ilha de Santiago. Contador da Ilha de Santiago (1480) . Foi lhe concedido de mantimentos o dobro do Reino. Foi antes morador da Ilha da Madeira e criado de DIOGO DA SILVEIRA. JOÃO CORREA é o seu escrivão.
«Quanto aos rendimentos, pensou-se na melhor forma de os fiscalisar tendo sido nomeado em 12 de março de 1471 o primeiro almoxarife (Oficial da fazenda real que arrecada as rendas e direitos reaes; o administrador ou feitor das propriedades que pertencem ao Rei.), cargo que recahiu em Diogo Lopes creado de Diogo da Silveira, cuja nomeação dizia: recomendo aos feitores da nossa fasenda e aos capitães da dita ilha, e a quaisquer outros nossos ofliciaes, e pessoas a que isto pertencer, e a esta nossa caria for mostrado, que hajam o dito Diogo Lopes por nosso almoxarife na dita ilha e que lhe dem logo a posse. Tem todas as rendas e direitos, e quaes outras cousas, que nolas pertencem, ou pertencerem na dita ilha e tem 164 r'is para mantimentos, dobro do que os outros recebem no reino (Livro 16, D. Atfonso 5.º fl33 v.)»
Subsidios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte I, pgs. 35, Lisboa, Imprensa Nacional, 1899

1472
O documento que institucionalizou o Conselho no arquipélago foi a Carta Foral implementada pelo infante D. Henrique e mantida por D. Afonso V em 1472 e por D. Manuel em 1515, esta permitia a auto organização dos habitantes de uma área geográfica através do reconhecimento da capacidade que uma comunidade tinha para se administrar e gerir.
SEBASTIÃO GONÇALVES Escudeiro do Rei Carta de escudeiro d'El Rei -"…nos tomamos ora por nosso escudeiro e em nossa espiçial guarda e em comenda Sebastiam Gonçalvez escudeiro morador em a ylha de Santiago…" (1472)
FERNÃO GOMES obtém autorização para alargar os direitos sobre o tráfico de escravos e ouro, para limitar o comércio de produtos domésticos e dos bens preciosos por cabo-verdianos para os produzidos nas ilhas.
A ilha de Santiago, correntemente chamada “ilha do Cabo Verde” ou simplesmente “o Cabo Verde” foi o local da primeira feitoria da costa guineense, o seu porto da Ribeira Grande constituindo a escala obrigatória para todos os navios em trânsito para ou da Guiné, segundo a carta régia de1472 (7.)
7 M. M. F. Torrão, "Actividade comercial…”, HGCV, I, p. 239 e passim.
A carta régia de 1472 introduziu alterações importantes ao estipulado em 1466 10, das quais nos interessa aprofundar aqui a questão do “limite” sul do comércio de Santiago. O termo entre aspas (a analisar adiante), que ficou no léxico da comunidade mercantil cabo-verdiana, resulta da própria forma verbal “limitar” que se usou no documento oficial de 1472 11.
Recentemente, chamou-se a atenção para o carácter não exclusivamente restritivo da carta régia de 1472, no sentido em que se visava, por um lado, clarificar as cláusulas de 1466 e reforçar o estímulo a um desenvolvimento do povoamento e colonização de Santiago que tinha sido, afinal, o motivo das primitivas concessões 12. Poderá, também, ser reequacionada a interpretação mais corrente das restrições da zona de comércio que foram feitas em 1472: “até Serra Leoa”, como se lê no diploma, significa inclusive ou exclusive a Serra Leoa? De facto, segundo este diploma, o espaço comercial que deveria ser exclusivo dos moradores de Santiago era equivalente àquele que tinha sido descoberto até à data da concessão do privilégio de 1466. Ora esse espaço abrangia necessariamente a Serra Leoa à luz dos critérios vigentes da sua definição atrás mencionados.
A única menção específica a uma proibição aparece no Manuscrito de Lisboa do Tratado, mais antigo (c. 1592-1593) e com menor auto-censura que o Manuscrito do Porto (1594) (v. infra, no cap. 2.4., a análise destes manuscritos). Aí, mantendo sempre a interpretação cabo-verdiana da carta régia de 1472, Almada atreve-se a exprimir a sua revolta contra o defeso imposto aos moradores das ilhas (presume-se) de comerciarem “da serra para baixo”, isto é a sul da Serra Leoa, inclusive na costa da Malagueta 37.
37 “mas oje não vejo senão leis postas contra nós, porque nos defendem que não vão á costa da Malagueta nem da Serra pera baixo, so[b] pena de perdimento de nauio e fazenda, e mais penas crimes”, Almada, Tratado, p. 148, n. 6.
1472/02/08
Carta régia limitando os privilégios concedidos aos colonos de Cabo Verde em 12 de Junho de 1466. Sucedendo-se a partir de então restrições a esta situação privilegiada dos moradores de Santiago e obriga-los a apostar nas culturas locais, as únicas a que estavam autorizados a comerciar com a costa africana. A inércia inicial ao povoamento da ilha havia sido ultrapassada.
A Carta de limitações dos privilégios, de 1472, estipulava que os moradores não mais pudessem comerciar livremente com a Guiné todos os produtos que por ventura tivessem (como faziam anteriormente, salvo armas, navios e ferramentas), mas tão somente as mercadorias fruto de suas “novidades e colheita”, ou seja, produzidas na própria ilha. Os navios também deveriam “ser de pertença dos moradores e por eles armados e capitaneados, ficando vedada a parceria com não moradores, nacionais e estrangeiros” 13.
Esta restrição, ao mesmo tempo em que limitava o resgate às, provavelmente, ainda incipientes mercadorias produzidas na própria ilha, compelia à real ocupação do território de forma produtiva, atrelando a atividade mercantil a uma correspondente produção interna assentada na propriedade rural. Esta medida contribuiu para a conversão do capital mercantil para o capital produtivo, quando não, na conversão de mercadores em terratenentes. Ou seja, houve a formação de uma elite de armadores proprietários rurais. 14
13 BRÁSIO. Monumenta, 2ª série, I. Doc. nº 67.
14 CARREIRA, António. Cabo Verde... op. cit. p. 41.
Conforme a Carta do rei D. Manuel de 1472, acima referida:
“Nós El Rei fazemos saber a quantos este nosso alvará virem que considerando nós a perda e dagno que os moradores da nossa Ilha de Santhiago tem feito com suas armações nos nossos resgates de Guiné de maneira que os tem tão abatidos por a pouca valia e estima em que tem postas as nossas mercadorias e a careza em que lhe tem alçadas as suas, que há mui pouco ganho e que muita parte deste dagno e perda tem feito os homens brancos que nas ditas partes de Guiné são LANÇADOS com os negros, determinados ora vedar o dito resgate aos moradores da dita Ilha e mais queremos dar forma como os ditos homens brancos, pois estão em tanto desfamas de Deus e nosso e condenação de suas almas sejam das ditas partes lançados commandamos dar e cometer com todas suas fazendas aos Reis e negros donde estiverem pêra que os matem ou entreguem so capitães dos nossos navios (...).”
«Os lançados foram, pois, os pioneiros do pequeno comércio africano e das pequenas colónias europeias fixadas na costa ocidental de África. Não pode dizer-se que a existência dêstes primitivos africanistas fôsse muita próspera e brilhante. Vivendo em simples palhotas de pretos, geralmente aliados a uma ou mais mulheres indígenas, cujos hábitos e princípios fàcilmente adoptavam, os lançados não tinham sequer a compensar as possibilidades de realizar fortunas apreciáveis, porque estavam sujeitos às arbitrariedades e caprichos dos chefes indígenas, cujas exigências tinham de satisfazer sob pena de perder todos os seus fracos haveres e até as próprias vidas.
A sua condição financeira e o seu modo de vida estavam longe de poder comparar-se com a dos colonos europeus que desde ó alvorecer do século XVI se iam fixando na América tropical.
Aqui, os brancos eram senhores das terras e tinham os escravos aos seus serviços; na costa de Guiné, eram os régulos locais que exerciam a soberania absoluta e sujeitavam os comerciantes brancos ao pagamento dos impostos e outras arbitrariedades
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 69
1473
Falecimento de DIOGO AFONSO donatário da parte norte da ilha de Santiago. RODRIGO AFONSO substitui-o até 1505.
Parece averiguado que Diogo Affonso, donalario da parte norte da ilha falleceu em 1473 como se deduz da carta passada por D. Affonso V em 9 de abril do mesmo anno a Rodrigo Affonso, sobrinho d'aquelle donatario; e que antes d'esse anno tambem já era fallecido João Affonso, seu filho unico.
FERNÃO GOMES. Rendeiro dos dízimos da terra das ilhas de Santiago e Fogo. Foi provavelmente o descobridor de Cabo Verde com António de Noli.
FREI JOÃO. Frade da Ordem de São Domingos. Vigário da Capitania de Fernão Gomes (Alcatrazes)
1473/04/09
Mercê a RODRIGO AFONSO de metade da ilha de Santiago. Dom Manuel concedeu a Rodrigo Afonso amplos poderes sobre a capitania doada:
Dom Manuel &. A quantos esta carta nossa virem fazemos saber que por parte de Rodrigo Afonso do nosso conselho foi apresentada huua nossa carta (... E querendo lhos em alguma parte gallardoar, assim como é razom e elle merece assim por lhe fazer graça e mercê, tenho por bem e lhe faço doaçam da capetania da minha Ilha de Santhiago daquella parte della que lhe já foi assinada, que he a banda norte (...) Outro sim me praz que elle tenha em a dita terra de sua capitania a jurdiçam por mi e em meu nome do cível e crimee, resalvando moorte ou talhamento de nembro (...) Outrosi me praz que de todo ho que se ouverr de remela na dita terra de sua capitania (...) Item me praz que elle possa dar por suas cartas a terra de sua capitania forra pello forrai da dita Ilha a quem lhe prouver tal condiçam que aquelles a quem a derem aproveitem atee cimquo annos, e nam aproveitamdo que a possam dar a outrem (...).”
A Carta de doação feita por D. Manuel a Rodrigo Afonso, reservava para a Coroa portuguesa o direito de decisão sobre a pena de morte ou a mutilação de membros. Ainda obrigava o donatário a conceder terras a quem julgasse ter melhor condição para explorá-las, o que deveria ser feito em um período de cinco anos, sob pena de as terras serem confiscadas e arrendadas para outra pessoa. Em outros termos, a doação configurava um direito adquirido sob a forma de benefício, mas sempre respeitadas as condições impostas pela Coroa portuguesa.
colonialismoguerracolonial.blogspot.com