quarta-feira, 24 de junho de 2015

"DESCOBERTA" DA GUINÉ (1458-1468)

1458
1458-Viagem ao Niumi
Informa DIOGO GOMES que em 1458 partiu para o Niumi uma extpedição, onde embarcaram o abade Soto de Casa e o moço de câmara João Delgado, a fim de satisfazer os pedidos do Niumimansa a Diogo Gomes na viagem de 1456 deste.
Ignora-se se avançaram mais para o sul
1458-1460 ou1462 - Diogo Gomes
Em data dif!cil de precisar, mas que deve ter sido 1458, 1460 ou1462, esteve de novo Diogo Gomes na Guiné, com o encargo de fiscalizar o comércio ilícito. Nesta altura eram já numerosos os navios que se dirigiam à Guiné para comerciar. Muitas viagens deve portanto ter havido de que não ficaram vestígios, a não ser talvez os cartográficos.
Desta vez Diogo Gomes não passou do porto de Zaia, na Terra dos Barbacins, região entre a Ilha da Palma e o Rio Jumbas. Os barbacins eram os súbditos do Bor-ba-Sine, sereres e alguns jalofos.
1458, 1460 ou 1462- Gonçalo Ferreira e António de Noli
No Porto de Zaia encontrou Diogo Gomes, segundo relata, duas caravelas, de Gonçalo Ferreira e António de Noli. Ignoramos se estas estiveram mais para sul.
1458, 1460 ou 1462 - Viagem ao Gâmbia
Refere ainda Diogo Gomes que ao Porto de Zaia chegou uma caravela, vinda do Gâmbia, onde comerciara. Também não se sabe se esteve mais a sul.
1458, 1460 ou 1462-Viagem de Prado
Segundo.Diogo Gomes, esta última caravela, vinda do Gâmbia, informou encontrar-se lá um outro navio, pertença de um tal Prado, comerciando ilicitamente em armas. Gonçalo Ferreira capturou depois tal navio no Cabo Verde.
Igualmente se ignora se o Prado esteve para sul do Gãmbia.
«Depois da chegada do senhor infante, na armada com o rei Affonso recordei ao senhor infante o que me dissera o rei Nomimans, que lhe mandasse tudo o que elle pedira. O infante tudo fez, e mandou para ali o sacerdote parente consanguíneo do cardeal, abbade de Soto de Cassa, para que ficasse com aquelle rei, e o industriasse na fé. E com elle foi um moço de camará chamado Johan Delgado, e isto foi no anno 1458
67 D. G. SINTRA (1484-1496), Op. Cit., pp. 86.
Por outro lado, Diogo Gomes, em documento à disposição para consulta na Biblioteca de Munich, narra suas duas viagens entre os anos de 1458 e 1460:
«Dois anos depois (de 1458) o rei Afonso equipou uma grande caravela, em que me mandou de capitão, e tomei comigo dez cavalos, e fui á terra dos barbacins, etc. etc., e com a ajuda de Deus em 12 dias cheguei a barbacim e ali achei duas caravelas, uma em que estava Gonçalo Ferreira, da casa do príncipe Henrique, natural do porto, que levava para ali cavalos, e na outra caravela estava o capitão Antonio da Noli, genovês, que era também mercador que trazia cavalos, isto no porto de Zaza, etc. etc. Eu e Antonio da Noli deixamos então aquele porto de Zaza e navegamos dois dias e uma noite para Portugal e vimos ilhas no mar, e como a minha caravela era mais veleira do que a outra, abordei eu primeiro a uma daquelas ilhas, e vi areia branca e pareceu-me um bom porto, e ali fundeei e o mesmo fez Antonio, disse-lhe eu que desejava ser o primeiro a desembarcar e assim fiz, não vimos rastos de homem e chamamos a ilha de Santiago por ser descoberta no dia do santo, aí pescamos grande abundancia de peixe, etc. etc. depois vimos a ilha amaria que se chama Palma e depois fomos à ilha da Madeira e querendo ir para Portugal por causa do vento contrario fui parar as ilhas Açores, Antonio da Noli esperou na ilha da Madeira e com melhor tempo chegou antes de mim a Portugal e pediu ao rei a capitania da ilha de Santiago que eu tinha descoberto e o rei lh'a deu, e ele a conservou até a sua morte, eu com grande trabalho cheguei a Lisboa
1460
«Anno de 1460 ou 1461.
Depois da morte do Infante D. Henrique, despachou el Rei D Afioqso V. a Pedro de Cintra dando-lhe por regimento correr a costa dos negros, e descobrir novas terras.
O primeiro descobrimento deste navegador foi o Rio de Bessegue, a 40 milhas do Rio Grande por costa.
D'ahi a mais140 milhas descobrio o Cabo que se chamou da Verga.
D'ahi a 80 milhas descobrio outro cabo muito alto, e coberto de arvores viçosas, a que deo o nome de Cabo Sagres de Guine'.
Defronte deste cabo ao mar descobriu duas ilhas, desabitadas e sem nome.
Do mesmo cabo a 40 milhas descobriu um rio, que se chamou de S. Vicente: e mais adiante 5 milhas o rio que se denominou Rio-verde.
A 24 milhas do Rio-verde achou o cabo a que deo o nome de Cabo-ledo por ser mui viçoso.
Por esta costa se extende em longura de mais de 60 milhas huma altíssima montanha cheia de verde e copa do arvoredo, a que se deo o nome de Serra-leoa, pelo grande rugido , que continuamente fazem as trovoadas, de que está cercado o seu cume.
Defronte da extremidade meridional desta serra estavão três ilhotas, que os navegantes denominarão Selvagens.
A 30 milhas adiante da ponta da montanha descobrirão o Rio-vermelho (ou roxo), a que derão este nome, porque a sua agoa, correndo por terreno avermelhado, mostrava a mesma cor.
Além deste rio está hum Cabo, que também denominarão vermelho; e defronte delle ao mar huma ilhota deshabitada que igualmente ficou com o nome de Ilha-vermelha.
Passado o Cabo-vermelho descobrirão hum rio grande, que chamarão de Santa Maria das Neves, pelo avistarem a 5 de Agosto.
Além deste rio está huma ponta, e defronte della a ilha que chamarão dos Bancos, pelos muitos que ali faz a arêa.
Além desla ilha descobrirão hum cabo grande que chamarão Cabo de Santa Anna, pelo avistarem a 30 de Julho.
Do Cabo de Santa Anna a 60 milhas, descobrirão hum rio, a que derão o nome das Palmas, por haver ali muitas.
Navegando ainda outras 60 milhas, acharão o rio, a que pozérão o nome dos Fumos, por verem muitos na costa quando ali passárão.
Mais adiante 24 milhas descobrirão o Cabo do Monte, assim denominado porque o cabo entrando muito ao mar mostra hum elevado monte.
D'ahi a 60 milhas acharão outro cabo, e outro monte mais pequeno, a que por isso chamarão Cabo Mesurado.
Navegando ainda mais 16 milhas notarão hum bosque grande com arvores mui verdes que vinhão até ao mar, e lhe chamarão o Bosque de Santa Maria.
D'aqui voltou Pedro de Cintra ao reino, trazendo da ultima terra hum negro, conforme a ordem de elRei, que depois o mandou restituir ao seu paiz.
A Relação desta viagem foi escripta por Cadamosto, e della se vê:
1.° Que Pedro de Cintra, passando além dos últimos descobrimentos, explorou mais de 629 milhas de costa para o sul.
2.° Que a sua viagem foi executada logo depois da morte do Infante D. Henrique, e provavelmente no anno de 1461, ou quando mais tarde em 1462, porque Cadamosto, concluindo a narração diz «E deste ultimo lugar (que era o Bosque, ou Matta de Santa Maria) não tinha passado navio algum ate á minha partida de Hespanha, que foi no primeiro dia do mez de Fevereiro de 1463.»
(Vej. Navegação do Capitão Pedro de Cintra escripta por Cadamosto, impressa na collecção de noticias para a hist. e geograf. das nações utramarinas da Academia R. das Scienc. de Lisboa . tom. 2. n.° 1.)»
índice chronologigo das navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos portuguezes nos paizes ultramarinos desde o principio do século xv. francisco de s. luiz, lisboa, na imprensa nacional, 1841. pg.50-53
1460 Antonio e Bartolomeo da Noli, navegadores genoveses ao serviço de Portugal, reclamam as Ilhas de Cabo Verde. As Ilhas foram oficialmente descritas como "desabitadas". No entanto, considerando os ventos dominantes e as correntes oceânicas na região, as ilhas podem ter sido visitadas por Mouros ou por pescadores Wolof, Serer ou talvez Lebu, da Costa da Guiné. A tradição sugere que as ilhas podem ter sido visitadas por Árabes ou Fenícios séculos antes da chegada dos Europeus. O explorador português Jaime Cortesão conta a história da visita de Árabes a uma ilha, chamada "Aulil" ou "Ulil", donde tiraram sal de salinas naturais. Qualquer que tenha sido o caso, não havia população suficientemente bem estabelecida para resistir à tomada de posse total pelos Portugueses.
«António da Nola - genovês, também conhecido por Antonietto Usodirnare, um dos capitãis que pela primeira vez avistaram a ilha de Sant'Iago. Desconhece-se a carta da doação da capitania, que teria sido feita por volta do ano 1460. Primeiro capitão donatário»
João Barreto
Com a chegada de PEDRO DE SINTRA à Serra Leoa em 1460, ficou concluída a fase das descobertas sob a orientação do Infante D. Henrique, por este ter falecido precisamente naquele ano.
1460? - Viagem de Pedro de Cintra
No resumo das viagens de Pedro de Cintra vamos seguir as conclusões de DAMIÃO PERES, em estudo recente (B 30).
Tanto o roteirista DUARTE PACHECO (B 29), oomo os cronistas RUI de PINA e JOÃO DE BARROS afirmam ter sido a Serra Leoa o términus das viagens do tempo do Infante D. Henrique.
Teria sido descobridor da referida serra o navegador Pedro de Cintra, como DUARTE PACHECO afirma, baseado em informaçâo do próprio. Não se sabe ao certo a data da viagem, mas simplesmente que foi anterior a 13 de Novembro de 1460, dia da morte do Infante.

1460/05/01
Descoberta das ilhas orientais de Cabo Verde por ANTÓNIO DE NOLI, com seu irmão, o advogado BARTOLOMEU DE NOLI, e seu sobrinho RAFAEL DE NOLI (os filhos deste foram povoadores das ilhas do Fogo e Brava). Foi proprietário rural.
Este relatório por DIOGO GOMES indica que foi ele quem descobriu as ilhas em 1460, provavelmente no dia primeiro de maio, a primeira das ilhas foi descoberta e, juntamente com seus companheiros (A.de Noli), nomeou-a Santiago. Na opinião de Fontoura da Costa, D. Gomes chegou a Portugal antes da morte de D. Henrique em 13 de novembro 1460, que é mais uma razão que é preciso ressaltar a Carta Régia (Carta da Doação) de 03 de dezembro de 1460, o qual não se refere à descoberta de D. Gomes. Com base em este facto, parece que nenhuma probabilidade de que ele teria sido considerado a descobridor de verdade parece ser um point.41
41 Este é um comentário curioso por Gabriel Pereira em relação à personalidade de Diogo Gomes: considerando que ele seja muito arrogante sobre suas conquistas e sempre colocando se acima de todos os outros, com uma forte tendência para desacreditar seus companheiros. Em: PEREIRA, Gabriel, As Relações de Diogo Gomes p. 269​​.
A hipótese sobre a autoria de Diogo Gomes é sustentada com o seu próprio relato. Com efeito, no seu relato, que transmitiu oralmente ao alemão Martin Behaim, este de passagem por Portugal por volta de 1484, o navegador português sustenta que descobriu a ilha de Santiago, na companhia de ANTÓNIO DE NOLI, em 1460.40 MARTIN BEHAIM começou a escrever o relato de DIOGO GOMES em 1484,41 portanto, depois da morte de António de Noli, ocorrida provavelmente entre 1496 e 1497.42 De acordo com o relato de Gomes, dois anos após a morte do Infante D. Henrique, o rei D. Afonso V equipou uma caravela, deu-lha como capitão e enviou-o ao país dos “Barbacins”, onde chegou 12 dias depois da partida, provavelmente de Lisboa.43 Relata Gomes que no porto de Zaza encontrou duas caravelas, uma capitaneada por GONZAL FERREYRA e outra por Antonius de Noli, genovês; que enviou Gonzal Ferreyra para Portugal, a fim de conduzir sob prisão um tal PRADO, mercador. Enquanto isso, partia de Zaza na companhia de Antonius de Noli também com destino a Portugal e, dois dias e uma noite depois avistavam ilhas no mar, tendo ele chegado primeiro a uma delas, onde fundeou a sua caravela, ao que foi seguido por Antonius de Noli. Chamaram a dita ilha de Santiago. Nela desembarcaram e não encontraram vestígios de homens. Em contrapartida, encontraram numeras aves exóticas que se deixavam aproximar a tal ponto que eles as matavam com paus. Da ilha de Santiago partiram para Lisboa e, tendo Antonius de Noli chegado primeiro, pediu a D. Afonso V a capitania da ilha de “Sanctus Jacobus”. Tendo o rei anuído o pedido de Noli, ficou preterido Diogo Gomes. Chegado a Lisboa poucos dias depois, Diogo Gomes não reivindicou os seus direitos.44
40 MONOD, Th.; MAUNY, R.; DUVAL, G. (Organização e notas de) – “De la première découverte da la Guinée”. Bissau: Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, 1959, p. 50-54.
41 MONOD, Th.; MAUNY, R.; DUVAL, – “De la première découverte da la Guinée”, p. 8.
42 COSTA, A. Fontoura da – “Cartas das ilhas de Cabo Verde de Valentim Fernandes” (1506-1508)”. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1939, nota de roda-pé nº 29, p. 17.
43 O Infante D. Henrique faleceu a 13 de Novembro de 1460, pelo que a viagem de Diogo Gomes terá sido realizada, portanto, em 1462.
44 PERES, Damião (Notas históricas de) – “Viagens de Luís de Cadamosto e de Pedro deSintra”. II Parte. Lisboa: Academia Portuguesa da História, MCMLXXXVIII, PARTE III.
Por testamento do Infante D. Henrique as terras da Guiné ficaram para o seu sobrinho, o Infante D. Fernando. Neste testamento estavam incluídas as cinco ilhas de Cabo Verde, até então conhecidas dos navegadores e que faziam parte integrante da Guiné.
1460/09/18
Doação a D. Afonso V das ilhas do arquipélago de Cabo Verde.
«1460 -- 18 de Setembro, doação feita pelo infante D. Henrique à Ordem de Cristo, de todo o direito que o doador tinha e poderia ter na espiritualidade da terra da Guiné, com a obrigação da donatária mandar celebrar semanalmente uma missa por sua alma (18).
(18) - Doc. ~m: ms. n.0 516 da livraria, p. 27 e s.; Livro das escrituras dia Ordem de Cristo, cod. n.º 235 do cartório da Ordem de Cristo, fl. 11 v.º; Arq. Nac. da Torre do Tombo; publ. idem - ibidem, doe. n.º 452, p . 576-577
Jorge Faro, Duas expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1460/11/13
Morte do Infante D. Henrique.
«1460 -13 de Novembro, morte do infante D. Henrique, em cujo testamento, datado de 28 de Outubro de 1460, D. Henrique especifica as rendas que lhe foram concedidas por seu irmão D. Duarte e por seu sobrinho D. Afonso V: «Item a el Rei meu Senhor prouve de me dar as rendas que delle tenho, dellas em meee, e delas em minha vida, por tres annos depois de minha morte pera descarreguamento de minha conciençia; as quaaes rendas som as que se seguem a saber: ho meu assentamento, e as saboarias, e as ilhas da Madeira e Porto Sancto e a Deserta, e Guinea com suas ilhas e toda sua renda e o quinto das enxaveguas e as curvinas, e Lagos e Alvor». Referindo seguidamente «Item peço a el Rey meu Senhor por merçee, que elle queira seer meu testamenteiro porque seu he todo ho de que eu faço este testamento, e o leixo por meu herdeiro de todo o que a my perteençer aa ora de minha morte,
assy de raiz como de movell, resalvando o de que fiz herdeiro ho senhor ifante Dom Fernando meu filho (adoptivo) e do que lhe elle mais do que ficar de mym queser dar» (19).
(19) - Doc. em: ms. n.0 516 da livraria, p. 3 e s.; cartório Ordem de Cristo, cods.: n.º 235, fl. 24 e s.; n.0 233, fl.
De 13 de Novembro de 1460 a Novembro? de 1469, D. Afonso V detém o pleno domínio e jurisdição nos mares e terras da Guiné, a ele pertencendo todos os seus tractos, em virtude do que as armadas que aí enviasse podessem visar todos, alguns ou algum destes objectivos: continuação dos reconhecimentos geográficos; defesa dos mares e terras da Guiné das arremetidas dos corsários, que aí pretendessem realizar o tracto sem estarem devidamente autorizados pelo Rei, e investissem contra os navios que autorizados aí andassem efectuando o resgate; realizar o resgate de todas ou qualquer mercadoria, em nome e no interesse do Rei; contudo, o rendimento obtido durante os 3 anos subsequentes à morte do infante D. Henrique (13 de Novembro de 1460 a 13 de Novembro de 1463) deveria ser integralmente aplicado à satisfação dos encargos pios, testamentariamente fixados por D. Henrique.»
Jorge Faro, Duas expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1460/12/03
D. Afonso V confirma ao Infante D. Fernando a posse das terras doadas por D. Henrique.

1461
Diogo Gomes e Antonio da Noli descobrem mais ilhas de Cabo Verde
☻ 1461 – Mandou ElRei a Soeiro Mendes, Fidalgo de sua Casa, á Ilha de Arguim, para construir um Castello (se não foi para acabar o que se diz estar já começado), a fim de proteger o Commercio do ouro, e dos escravos, que neste tempo concorria áquellas Ilhas, o qual era mais vantajoso a Portugal, do que o systema até alli seguido (I).
(I) Barros, Decada I, Liv. 2, Cap. I – Galvão (pag. 25) põe esta expedição em 1462 – Faria e Sousa a coloca em 1449.
Sendo um território facilmente defensável e dotado de um bom porto, dada a vantagem que a sua situação insular oferecia face à previsível hostilidade das populações autóctones, a ilha de Arguim foi escolhida para ali centralizar o comércio da costa africana. A importância que a ilha rapidamente ganhou é comprovada pelo facto do Infante D. Henrique ter ali mandado erigir um castelo, concluído em 1461, já no reinado de D. Afonso V.
Castelo de Arguim
Quanto à ilha de Arguim, vimos na primeira parte do nosso trabalho, que ela foi um dos pontos mais importantes para os antigos navegadores e comerciantes portugueses. Informa-nos João de Barros que em 1461, «D. Afonso V mandou construir o castelo de Arguim por Soeiro Mendes, fidalgo da sua casa, ao qual deu a alcaidaria para si e para seus filhos». Mas já antes disso estava ali estabelecida uma feitoria portuguesa, dotada de alguns meios de defesa militar.
O comércio no pôrto de Arguim estava sujeito a um regimento fixado pelo Infante D. Henrique. Segundo informa Luíz Cadamosto, em 1455 êste comércio estava arrendado por 10 anos a uma companhia que tinha ali os seus feitores «que compram e vendem àqueles árabes, dando-lhes diversas mercadorias, como são panos tecidos, prata, alguizeis, tapetes e sobretudo trigo, do qual estão sempre famintos, e recebem em troca Negros, que os ditos alarves trazem da Negraria e ouro em palhetas».
Os árabes e os azenegues tinham sempre grande número de escravos pretos, obtidos não por violência, mas por troca de mercadorias, e em especial de cavalos recebendo doze a quinze escravos por um solípede.
As obras do castelo começadas por Soeiro Mendes prolongaram-se até ao ano de 1483, ficando incompletas. Era um quadrado com 25 toesas de lado (cêrca de 50 metros) com muralhas de 4 toesas de altura e 12 pés de largura, sem fôsso nem grandes meios de defesa, de que, ainda hoje, se encontram alguns vestígios.
Em volta dele formou-se uma pequena povoação de comerciantes europeus e habitantes mouros, que se conservou em poder de Portugal até 1638. Uma esquadra holandesa de três navios que passava próximo, informa da pouca resistência que a praça poderia oferecer, resolveu atacá-la e tomou posse em 29 de Janeiro dêsse ano. Estava-se na época dos Filipes.
Não obstante os holandeses terem reforçado a defesa, o castelo foi tomado, em 25 de Junho de 1665, pelos ingleses, que por sua vez tiveram de o ceder no ano seguinte novamente aos Países Baixos.
Como a presença dos holandeses em Arguim prejudicasse a actividade dos franceses, que, por intermédio da Compagnie du Sénégal, pretendiam dominar em tôda a costa ocidental, foi enviada de França uma expedição que se apoderou da fortaleza em 29 de Agosto de 1678.
A Companhia do Senegal resolveu, porém, arrazar o forte, por não dispôr de elementos bastantes para a sua conservação.
Achando a região abandonada os holandeses voltaram a instalar-se em Arguim no ano de 1685, onde se conservaram até 1721.
Voltaram novamente os franceses, mas após uma série de desastres em luta com os mouros e holandeses, tiveram de ceder a ilha em favor dos seus rivais.
em Fevereiro de 1724 é que Mr. Salvert, director da Companhia Real do Senegal, conseguiu retomá-la, ficando depois dessa data na posse da França.
Foi, pois, durante o infeliz interregno dos Filipes que Portugal perdeu o Cabo Branco e a região adjacente, assim como o resto da costa guineense, com excepção de uma estreita faixa compreendida entre os rios de Casamansa e Cacine.»
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 122-124
☻ 1461ou1462 - Viagem de Pedro de Cintra
Segundo CADAMOSTO, Pedro de Cintra fez uma viagem após a morte do Infante e antes do seu regresso à Itália (1 de Fevereiro de 1463).
Sucede porém que o veneziano, descrevendo a viagem, considera que só então se ultrapassou o Rio Grande. Pedro de Cintra descobriria,de uma só vez, a costa entre o referido rio e o Bosque de Santo Maria (cerca de 20 quilómetros ao sul do Cabo Mesurado, na actual República da Libéria).
Ora isto está em contradição com os informes de DUARTE PACHECO, RUI DE PINA e JOÃO DE BARROS. Quis-se conjugar as duas opiniões, aparentemente discordantes, com a hipótese de ter Pedro de Cintra partido em 1460 para essa viagem, descobrindo a costa até à Serra Leoa no prazo que medeou até à morte de D. Henrique, e a restante após essa data, mas tudo sempre na mesma viagem (FONTOURA DA COSTA, apud DAMIÃO PERES, B 36, págs. 109-110).
No entanto DUARTE LEITE (B 22) entende que se trata de informação errada dada a CADAMOSTO por um seu antigo companheiro, e que a Serra Leoa já fora antes atingida.
DAMIÃO PERES (B 30) entende porém que houve de facto duas viagens distintas de Pedro de Cintra, uma anterior e a outra posterior à morte do Infante, e que CADAMOSTO muito simplesmente as transformou numa só. Parece-nos perfeitamente aceitável esta hipótese.
1461/07/11
«1461 - II de Julho, o Papa Pio II, pelas letras Repetentes animo, nomeou vitaliciamente o infante D. Fernando (irmão de D. Afonso V e filho adoptivo do infante D. Henrique) Administrador e Governador da Ordem Militar de Jesus Cristo, concedendo-lhe plena jurisdição sobre os freires e bens da Ordem, cujos rendimentos anuais foram avaliados em 8.000 florins de ouro da câmara, que deveriam ser utilizados na manutenção dos freires, por forma a que o
seu número não diminuísse, e na satisfação dos encargos habituais da Ordem, podendo o infante D. Fernando livremente dispor do remanescente, como fizeram os seus predecessores, não podendo no entanto alienar bens imóveis e bens móveis preciosos (20).
(20) - Doc. em Regestum do Papa Pio II, ano III, tomo 47, p. 61 v.0 , Arquivo do Vat icano; copiado por M. Marini, fins século x1x, Bulas, maço 68, doc. n. 0 143, pela numeração antiga n.0 95, Arq. Nac. da Torre do Tombo; publ. Dias Diniz - Reflexos políticos do segundo testamento henriquino. p. 42-46
Jorge Faro, Duas expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1462
1462 - Entre os privilégios concedidos aos moradores da ilha de Santiago (Cabo Verde) contava-se o livre comércio com a Costa da Guiné (com exceção de Arguim).
1462 O Rei D. Afonso V de Portugal doa o arquipélago a seu irmão, o Príncipe D. Fernando, o qual posteriormente viria a dividir a ilha de Santiago entre dois donatários. A colonização europeia começou pela Ribeira Grande, no sotavento de Santiago, que oferecia uma fonte segura de água fresca e um porto relativamente abrigado. Um grupo, constituído por portugueses expulsos ou indultados, por aventureiros genoveses e flamengos e por judeus sefárdicos, incluía-se entre os primeiros colonos europeus.
☻ Diogo Gomes:
«Dois annos depois (de 1460, morte do Infante) o senhor rei Affonso armou uma grande caravella, onde me mandou por capitão; levei dez cavallos commigo e fui á terra dos Barbacins, que está entre Serreos e o rei Nomimaus. E estes Barbacins são dois reis, a saber: Barbacin dun e Barbacin negor. O rei deu -me poder sobre as margens d'aquelle mar, para quaesquer caravellas que encontrasse em terra de Guiné fossem sob minha auctoridade ou dominio, porque elle sabia que ali estavam caravellas que levavam espadas e outras armas aos mouros, ordenando-me que as tomasse e lh'as trouxesse a Portugal.
Com a ajuda de Deus, em doze dias cheguei a Barbacins, e achei ali duas caravellas, a saber: uma, na qual ia GONÇALO FERREIRA, familiar do senhor infante, vizinho da cidade do Porto, em Portugal, que levava cavallos para ali. E na outra caravella era capitão e mercador, levando também cavallos, ANTÓNIO DE NOLI, genovez. E isto foi no porto de Zaya. Também ahi encontrei Borgebil, que foi rei de Geloífa, que para ali fugira com medo do rei Burbuck que lhe tomara a terra.
Estes mercadores com as suas caravellas fizeram muito dainno ao resgate d'ali; porque onde costumavam os mouros dar 7 negros por um cavallo, a elles não davam mais de seis.
Então eu convoquei os capitães, e da parte do rei lhes dei sete negros por um cavallo, e dei depois um cavallo por quatorze e quinze negros. E estando nós assim veiu uma caravella de Gambia com a nova de que um fuão, chamado de Prado, vinha com uma caravella cheia de riqueza.»
«Eu e ANTÓNIO DE NOLI, do porto de Zaya, fomos dois dias e uma noite caminho de Portugal, e vimos ilhas no mar. E porque a minha caravella era mais veleira que a outra, cheguei eu primeiro a uma d'aquellas ilhas, onde vi areia branca, e, parecendo-me bom o porto, lancei a ancora e o mesmo fez António. E disse-lhes que queria ser o primeiro a pôr pé em terra, e assim fiz, e nenhum indicio de homem vimos ahi. Chamámos Santiago á ilha, e até agora assim se chama. Havia ali grande pescaria. Em terra, porém, achámos muitas aves estranhas e rios de agua doce. As aves esperavam-nos sem fugir, assim as matávamos com paus. Havia ahi muitos patos. Também era grande a fartura de figos, mas não estão dispostos nas arvores do mesmo modo que nas nossas figueiras; porque os nossos estão perto da folha e estes por todo o tronco, desde o pé da arvore e d'ahi para cima por toda a casca dos ramos. D'estas figueiras ha grande numero; e ali também vimos farta pastagem.»
O primeiro núcleo populacional ter-se-á instalado na ilha de Santiago por volta de 1462, como se pode inferir da carta régia de 12 de Junho de 1466, pela qual D. Afonso faz saber “(...) que o infante D. Fernando meu mui prezado e amado irmão nos enviou dizer como haverá quatro anos que ele começara povoar a sua ilha de Santiago que é através de Cabo Verde e que por ser tão alongada de nossos reinos a gente não quer a ela ir viver senão com mui grandes liberdades e franquezas".2
2 In: António Carreira, Cabo Verde: Formação e Extinção de uma Sociedade escravocrata (1460-1878), 2ª ed., Gráfica Europam, Ldª, 1983, p.29.
Essa carta régia estabelecia privilégios aos futuros moradores, por forma a poderem contornar as dificuldades iniciais de fixação, quais sejam a distância a que se encontravam as ilhas do Reino e a inexistência de condições naturais de habitabilidade ou de acumulação originária. Através dela, e perante tácito reconhecimento dos “grandes proveitos” que adviriam da fixação do povoamento das ilhas, a Coroa concede aos donatários de Santiago o monopólio comercial em toda a costa africana, que vai do Senegal aos rios da Guiné, e outras prerrogativas como a “alçada do cível e crime sobre todos os mouros, negros e brancos, forros e cativos, e de toda a sua geração que em a dita ilha houver”.3
3 Carta régia, de 12 de junho de 1466. In: Antônio Carreira, op. cit. p. 29.
1462 - Viagem ao Bosque de Santa Maria
Afirma CADAMOSTO (Navegação de Pedro de Cintra, Cap. v) que antes do seu regresso à Itália (1 de Fevereiro de 1643) partiu nova expedição para a Guiné com o encargo de reconduzir à sua terra um indígena aprisionado para estudo na anterior viagem de Pedro de Cintra.
Nada mais sabemos acerca desta expedição, pelo que se ignora o ponto mais a sul atingido. É porém natural supor que tenha ultrapassado o Bosque de Santa Maria, uma vez desembarcado o aborígene.
☻ 1462 - Neste anno (ou talvez no antecedente) mandou ElReí duas Caravelas para continuarem o descobrimento da Costa de África: era Comandante de huma Pedro de Cintra, seu Escudeiro, e da outra Soeiro daCosta(1).
Chegados ás duas Ilhas habitadas, que Cadamosto reconheceo na sua segunda Viagem, defronte do Rio a que chamou Rio Grande, surgirão em huma dellas, e tratárâo com os Negros por acenos, por não entenderem a sua linguagem; observárão tambem, que habitavâo em cabanas miseraveis, e tinháo ldolos de madeira, que adoravão. Fazendo-se daqui á véla, e navegando cousa de quarenta milhas além do Rio Grande, virão outro que teria tres ou quatro milhas de largo, esse chamava Rio de Bessegue (2), nome de hum Régulo, que dominava na sua entrada. E prosseguindo no reconhecimento da Costa, descobrírão hum Cabo, a que pozerão o nome de Caho da Verga (3), que distaria do Rio de Bessegue cousa de cento e quarenta milhas; e toda a Costa entre estes dous pontos era hum pouco montuosa, e coberta de alto e verdejante arvoredo.
Perto de oitenta milhas adiante do Cabo da Verga achárão outro mais alto que todos os antecedentes, com hum pico no meio, e sombreado de grandíssimas arvores, a que puzerão o nome de Cabo de Sagres de Guiné (4), em memoria do Cabo de Sagres, que o Infante D. Henrigue construíra. Os habitantes daquele Rio tinhâo a côr menos preta, que os outros Negros, e erão Idolatras; andavâo quasi nús, homens, e mulheres trazião furadas as orelhas, e cartilagem do nariz, em que enfiavão alguns anneis de ouro; e os rostos, e copos marcados com varias figuras: não possuião armas de ferro, e mantinhão-se de arroz, milho, e legumes.Ao mar do Cabo estavão duas Ilhas pequenas, huma em distancia de seis, e outra de oito milhas, ambas deshabitadas, e bastecidas de arvoredo. As Almadias destes Negros erão grandes, e capazes de conter de trinta a quarenta homens cada huma; não conhecião o uso dos toletes, e por oonsequencia remavam em pé.
Quarenta milhas além do Cabo de Sagres vírâo hum Rio a que chamárão de S. Vicente (5), com perto de quatro milhas de largura na boca; e cinco milhas mais adiante outro ainda mais largo,que appellídárão Rio Verde, por serem estes os nomes das duas Caravelas.Toda esta Costa era montuosa, e com bons surgidouros, e bom fundo. Correndo mais vinre e quatro milhas, descobrirão hum Cabo, a que derão o nome d eCabo Ledo, por ser mui viçoso, e alegre (6).
(1)Como não achei nos nossos Escritores as particularidades desta Viagem de Pedro de Cintra, sigo a narraçáo de Cadamosto, que escreveo as noticias que lhe deo hum Portuguez seu amigo, que parece fazia parte da guarnição da Caravela de Pedro de Cintra ; e assigno a esta Viagem o anno ele 1462, por me parecer mais provável, attendendo a que este Descobridor estava de volta em Portugal no 1.º de Fevereiro de 1463, epoca da saída de Cadamosto. Vejão-se as Memorias da Academia já citadas, onde vem as Viagens deste Veneziano. Faria diz que foi em 1463.
(2)Este Rio parece ser o de Nuno Tristão ja descoberto
(3)Este Cabo está situado na latitude N, 10° 4’; e longitude 4° 51 '.
(4 )Não he possivel saber-sehoje a que ponta de terra se deo o nome de Cabo de Sagres.
(5)O Rio de S. Vicente, e o Rio Verde talvez que sejão os Rios das Pedras , e de Capor.
(6)Cabo Ledo (chamado pelos lnglezes Cabo da Serra Leôa, e pelos Francezes Cabo Tagrim) he a ponta do Sul da entrada do Rio Mitomba, ou de Serra Leôa , situada na latitudc N 8º 30', e Iongitude 5º 6'. A ponta do Norte da mesma entrada chama-se ponta de Pulame, ou Ilha dos Leopardos. Este Rio, hum dos mais formosos da Africa Occidental, corre de Oeste para Leste, com huma foz de cinco legoas de largo até à Cidade de Freetown, Capital dos estabelecimentos lnglezes, construida na margem Austral, a duas legoas e meia da entrada. Neste ponto diminue o Rio quasi metade da sua largura, e assim continúa sete legoas além da Cidade, onde se divide em dois braços. Ha neste Rio varias Ilhas, e na entrada hum baixo de area, que toma dois terços da sua largura.
1462/01/29
Nomeação de DIOGO AFONSO como CAPITÃO DONATÁRIO da parte norte da ilha de Santiago. Foi-o até 1473.
As ilhas eram propriedade da casa senhorial do Duque de Viseu (o Infante D. Henrique foi o primeiro), – foram doadas a D. Fernando, a quem D. Manoel, seu filho e futuro Rei de Portugal, sucedeu. Estes senhores promoveram a povoação da ilha concedendo donatarias a pessoas da sua casa na forma de capitanias-donatárias, a quem nomeavam procuradores de sua jurisdição sobre os territórios doados. Competia aos ditos capitães distribuir as terras em sesmarias, um recurso jurídico-institucional amplamente usado na expansão portuguesa para fixar os vassalos ou colonos aos novos territórios. Porém, a doação destas terras estava condicionada a uma contrapartida primordial exigida dos sesmeiros: tornar a terra produtiva em até cinco anos, sendo, no máximo, este prazo prorrogado por mais cinco anos. Se neste período o proprietário tivesse sucesso, entraria na posse definitiva das mesmas. Caso contrário, as terras seriam confiscadas e cedidas a outrem para que as explorassem. Ou seja, o acesso à terra estava condicionado à capacidade do proprietário de produzir. Isto implicava em dois aspectos divergentes da propriedade rural na colônia e no reino. Na colônia, a posse da terra é assegurada pelo seu uso produtivo, descartando assim modos de utilização da terra não produtivos, mas nobilitantes, muito arraigados no reino.1
Os capitães donatários recebiam fartos proventos e significativos privilégios, além de se verem investidos, por delegação régia, em prerrogativas inerentes ao exercício do poder público. Representava uma arquitectura jurídica que servia um objectivo bifronte. Por um lado, exibia a faceta de constituir uma justa recompensa para aquelas que delicadamente se envolveram na empresa mrítima. Por outro lado, configurava um valioso expediente jurídico no sentido de garantir de forma atractiva o povoamento e exploração das ilhas descobertas.
A solução tradicional de colonização através de doações de capitanias não era senão uma hábil adaptação do velho sistema das doações de bens da coroa que, no nosso país, se divulgara com um cariz próximo das concessões feudais. Um facto que nada tinha de estranho à luz da prática régia europeia de enfeudar bens, rendas e direitos da coroa, a despeito das forças centralizadoras que se procuravam impôr.
Por via de regra, a capitania constituía uma doação subordinada aos princípios da inalienabilidade e da indivisibilidade. O interesse público assim o justificava. Em caso de morte do donatário, a capitania era transmissível, em primeiro lugar, aos descendentes, prioritariamente ao filho mais velho. Aliás, o quadro normativo sucessório apresentava-se muito minucioso. Por exemplo, os bastardos de coito danado eram incapazes de suceder. A carta também previa sanções. Se o donatário violasse os princípios da inalienabilidade ou da indivisibilidade, sofreria o perdimento da governaça.
O mesmo que capitães de Donatário ou capitães-mores, são um cargo administrativo, primeiro surgido nas ilhas atlânticas no período tardo medieval português e depois estendido ao Brasil, até aos limites definidos pelo Tratado de Tordesilhas. O cargo era em geral hereditário, estando sujeito a regimento específico e à confirmação real. Na ausência de filho varão, seguia-se, com algumas exceções, a lei sálica, como aconteceu na sucessão de António da Noli (à morte deste) por sua filha, Branca de Aguiar.
Cabia aos capitães a representação dos interesses e autoridade dos donatários na respetivas Capitanias, garantindo-lhes os proventos e administrando-lhes os bens. Serviam ainda de interlocutor entre as populações e os donatários.Os capitães gozavam de largos poderes administrativos, judiciais e fiscais, sendo a autoridade máxima nas respetivas Capitanias. Cabia aos capitães a representação dos interesses e autoridade dos donatários na respetivas Capitanias, garantindo-lhes os proventos e administrando-lhes os bens. Serviam ainda de interlocutor entre as populações e os donatários.
Tinham o dever de povoar, repartir as terras, entregar colonos, explorar economicamente, defender o seu território e manter ordem, aplicando justiça, sendo-lhes vedadas apenas as penas de talhamento de membros e de execução. Respondiam pelos seus actos diretamente perante o Donatário, sendo remunerados com parte, geralmente 10% do dízimo, a chamada redízima, dos rendimentos que, na Capitania, cabiam ao donatário. Tinham o monopólio dos moinhos, do comércio do sal e dos fornos de cozedura de pão.
O capitão do donatário recebia poderes, tanto no campo cível como no criminal, mas era obrigado a apresentar as partes desavindas perante os juízes da terra que deveriam aplicar o direito geral legislado, o direito consuetudinário, acrescido depois da legislação que foi sendo produzida e que desaguará no regime autonómico do século XIX.
A figura do Capitão funcionava ainda como instância de recurso para onde as partes podiam apelar (declarar que se quer recorrer) e agravar das sentenças. Do capitão recorria-se de agravo ou de carta testemunhável para o Infante D. Henrique e seus sucessores, sem efeito suspensivo, com exclusão expressa de todas as outras Justiças, devendo então o capitão sustentar a sua decisão.
Quanto aos feitos criminais, o próprio Capitão é que os julgava, podendo aplicar aos culpados penas de prisão, degredo e açoutes, sem que disso pudesse apelar-se.
Tratando-se, no entanto, de crime tão grave que merecesse talhamento de membro (mão, pé ou língua) no pelourinho ou pena de morte, os acusados deveriam ser julgados e, quando condenados, só podiam apelar para o Infante que deveria enviar o processo para a Casa do Rei onde o recurso seria julgado ao final.
O infante determinou ainda que quem violasse esta regra e usurpasse os seus poderes, pagar-lhe-ia mil réis por cada vez, para além das penas que a lei geral previa para o caso.
Quanto aos tabeliães, os que se enganassem por falsidade, deveria o Capitão suspendê-los imediatamente do ofício, comunicando o facto ao Infante para que este determinasse a pena a aplicar.
1462/09/19
☻ ANTÓNIO DE NOLI é nomeado capitão donatário da parte sul de Santiago, na vila da Ribeira Grande (hoje a Cidade Velha), que a compartilhou com DIOGO GOMES, capitania de Alcatrazes.
Na Ribeira Grande, a sete milhas da cidade da Praia, se estabeleceu Antonio da Noli, acompanhado do seu irmão Bartholomeu e um sobrinho por nome Raphael. Foram estes os fundadores do primeiro povoado da ilha, que mais tarde chegou a ser a capital da província.
Vulgarmente conhecida, hoje pela cidade Velha, ficava situada na costa meridional, ã beira mar, e estendia-se pelas margens de uma fertilissima ribeira. Erguia-se do centro de altos penhascos e enormes montanhas.
Para a escolha d'esse lugar visou Antonio da Noli, certamente à abundancia extraordlnaria de agua, que innundava um solo uberrimo, de preferência aos outros pontos do sul da ilha, que lhe pertencia, onde faltava aquelle elemento tão necessario no começo de uma colonisação, embora o clima fosse mão.
Foi por isso que, a cidade Velha teve uma vida de curta duração, mas, n'essa breve existência não deixou de se tomar notavel, quer sob o ponto de vista politico quer commercial.
Posteriormente á Ribeira Grande, séde da capitania do sul, se estabeleceu o povoado dos Alcatrazes, na actual freguezia de Nossa Senhora da Luz, proximo ao seu ponto principal da Praia Abaixo. Era a séde da capitania do norte, de que foi donatario Diogo Afonso.
Ambas as capitanias eram conhecidas por villas, ignorando-se, porém, se honve algum titulo dando-lhes essa cathegoria.
Da villa dos Alcatrazes, que foi muito menos importante, sob o ponto de vista commercial e de opulência, do que a Ribeira Grande, foram desaparecendo as suas melhores casas em 1516, até que em 1770, restando ainda algumas cabanas, que se iam erguendo sobre as ruinas, foram abandonadas pelos moradores devido á grande esterilidade d'esse anno. Teve um forte que a esse tempo estava quasi demolido.
Como mais adiante veremos, foi nos Alcatrazes onde residiu a familia de appelido Annes, e é de crer, que se realmente os creados do infante D. Fernando estiveram na ilha, que preferissem esta capitania à do Antonio da Noli, por ter sido Diogo Afonso escudeiro e contador da ilha da Madeira. A sua qualidade de portuguez e a sua posição social deviam attrahir-lhe para a capilania gente de melhor linhagem.
☻ Confirmação por D. Afonso V da doação das ilhas conhecidas do arquipélago ao infante D. Fernando,que, aliás, possuía também o senhorio das demais ilhas atlânticas, por ser herdeiro de seu tio, o Infante D. Henriques.
Quanto ao lado material, todo o resgate por particulares era feito com a sua prévia licença, prerogativa esta que advinha desde a doação que lhe fizera seu irmão D. Pedro quando ainda era regente. À data da sua morte, em 1460, as suas caravelas tinham atingido a Serra Leoa e por testamento de 28 de Outubro do mesmo ano, institui seu sobrinho D. Fernando herdeiro dos seus bens, honras, terras, senhorios, direito e deveres inerentes aos cargos que exercia.
O sucessor não foi homem de génio nem da envergadura do tio; a sua actividade limitou-se a mandar colonizar as ilhas de Cabo Verde que lhe foram dadas por seu irmão. As doações têm a data de 3 de Dezembro de 1460 para as ilhas dos Açores e parte do arquipélago deCabo Verde, e a data de 19 de Setembro de 1462 para as restantes ilhas do arquipélago caboverdeano.


1462/12/24
Um Carnaval antecipado? Cristãos-novos em pleno desrespeito pela religião que tinham dito abraçar? Apenas uns copos a mais? É quase certo que não viremos a saber com rigor o que ia na cabeça dos homens que montaram uma farsa na véspera do Natal de 1562, em Bugendo, terra da Guiné da qual não reza a história.
Tudo começou uns dias antes, quando FRANCISCO JORGE, feitor de S. Domingos, pediu a ANTÓNIO LUÍS, o “Boca Fede” de alcunha, um texto para ser representado na noite de Natal. Os versos foram feitos, mas a encenação ultrapassou em muito aquilo que o autor poderia supor.
Os convivas juntaram-se para uma consoada de carnes e frutos doces onde a bebida terá corrido em abundância. Admitiria mais tarde um dos participantes que todos “tinham comido e bebido a seu prazer e estavam muito quentes”. Talvez por isso, e para desespero do “Boca Fede”, em vez dos inocentes versos que estavam preparados desenrolou-se um espantoso e incontrolável happening. Primeiro, entrou em cena um tal MESTRE DIOGO, alentejano nascido no Torrão que, vestido de mulher, e rodeado por 10 ou 12 homens disfarçados de “bailarinas”, cantou músicas pouco condizentes com a quadra natalícia.
Dois dos que assistiam à função perguntavam, de máscaras de papel no rosto: “Já pariu Maria?”. Alguns berravam: “Que pariu? Macho ou fêmea?”. Retorquiam outros “macho”. E à pergunta “onde?”, uns diziam que em Belém, havendo quem afirmasse que “tinha sido em Bugendo, terra da Guiné”. Quando alguém perguntou que se haveria de oferecer ao Menino, um garantiu que lhe daria um gabão que tinha uma racha, ao que outro acrescentou, também como prenda, um porco de fumeiro e uma réstea de alhos. Para além de 20 ou 30 cristãos-novos estavam presentes outros homens a quem os cantares e dichotes pareceram perfeitamente despropositados. A história chegou aos ouvidos da Inquisição. Na devassa que se seguiu tudo foi esquadrinhado: quem esteve e o que disse; que papel desempenharam na farsa fulano e beltrano. Acabaram por vir à baila histórias que pouco tinham a ver com os acontecimentos de Bugendo e que exemplificam bem o tipo de interrogatório que era então usual.
«A inquisição e os jesuítas entravam, quasi ao mesmo tempo, em Portugal: e, logo depois, estendiam a sua acção sobre as conquistas. E a toda a parte onde chegavam, uma e outros, promoviam a desordem e levantavam os ódios contra o nosso domínio; já pela intolerância dos seus procedimentos, já pela sua ambição e cubica, e já pelas intrigas que tramavam sem descanço entre portuguezes, e entre indígenas e naturaes das terras conquistadas.»
ESTUDOS SOBRE AS PROVÍNCIAS ULTRAMARINAS POR JOÃO DE ANDRADE CORVO Volume I LISBOA POR ORDEM E NA TYPOGRAPHIA DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS 1883, pp. 8-9
O processo de MESTRE DIOGO, de 34 anos, “solorgião”, cristão-novo lançado na Guiné, desenrolou-se a partir de abril de 1563. Nessa data, o bispo de Santiago, em Cabo Verde, deu seguimento às denúncias segundo as quais em Bugendo, terra da Guiné, cristãos-novos tinham representado um auto na véspera de Natal, durante o qual um cristão-novo “muito feio”, Mestre Diogo, aparecia vestido de mulher e outros intervenientes interrogavam-se sobre se a Virgem Maria teria dado à luz em Belém ou em Bugendo.
D. FRANCISCO ordenou o levantamento de um auto de averiguações e, até junho de 1563, foram ouvidas diversas testemunhas dos acontecimentos pretensamente ocorridos na casa do feitor de São Domingos, Francisco Jorge, na noite de 24 de dezembro de 1562, protagonizados pelos tais 20 ou 30 cristãos-novos, tratantes ou negreiros, entre os quais, para além de Mestre Diogo e do “Boca Fede”, figuravam JORGE FERNANDES (o do nariz furado), TEOTÓNIO FERNANDES (o “Paião”), um alfaiate com uma venda no olho, de nome desconhecido, AIRES LOBO (o “Marquesota”), ANTÓNIO DUARTE, algarvio conhecido por “Corcoz”, e os IRMÃOS POLDRINHOS. As diversas testemunhas, depondo na Ribeira Grande perante o vigário geral e um escrivão, referiram-se também à morte, à maneira judaica, de bodes e galos brancos, a trovas ditas sobre a cabeça cozida de um porco, ao roubo de um retábulo pelos negros e ainda à história do famigerado “Braço de Balança”, presumivelmente queimado pela Inquisição em Lisboa, e do seu filho, cujo nome desconhecemos, e que costumava perguntar “como quereis que não haja fomes no reino se em cada ano fazem quatro vezes cadafalso?”.
Quase todos os intervenientes no insólito se terão escapado sem qualquer punição. Embora a Inquisição se esforçasse por prender “certos cristãos-novos que andam no sertão” Lisboa ficava demasiado longe e os judeus da Guiné gozavam do apoio do feitor, “tão judeu como eles”. De MESTRE DIOGO sabemos que foi preso em novembro de 1563 e que em setembro de 1564 estava no cárcere do Santo Ofício, em Lisboa. Foi interrogado quatro vezes, confessando que a brincadeira do auto de Natal fora de mau gosto e acusando outros cristãos-novos de terem afirmado que a Virgem dera à luz em Bugendo e não em Belém. Reconheceu ainda que não comungou durante os seis anos em que esteve na Guiné, aceitando as culpas por quanto disse e por tudo aquilo que se esqueceu…
O pai de Mestre Diogo acabou por pagar uma fiança de 500 cruzados, o que possibilitou a libertação do farsante. Dois anos depois dos acontecimentos de Bugendo, o seu principal protagonista estava de novo em liberdade. Sobre o que aconteceu a seguir não temos notícia. Parece-nos lícito pensar que a sua paixão pela arte de Talma tenha esmorecido e que nos anos de vida que lhe restaram se tenha dedicado apenas a tratar da sua fazenda. 

1463
- Relação das Viagens de Pedro de Sintra, de um português anónimo e do italiano LUÍS DE CADAMOSTO (1463-1465?);
- Viagens de Luís de Cadamosto (1463-1465?).
A origem familiar de Cadamosto é controversa. Segundo alguma bibliografia, provinha de uma família nobre oriunda de Lodi que, desde a segunda metade do século XII, residia em Veneza. Rinaldo Caddeo, porém, refere que os Cadamosto eram originários de Oderza e que se encontravam na Sereníssima desde 925.
Filho de Giovanni Da Mosto, que fora provedor da República de Verona em 1439, e de Giovanna di Matteo Quarini, Luís era irmão de Pietro e Antonio Cadamosto.
A data do seu nascimento também levanta algumas questões. A sua relação de viagem conduz à data de 1432. Porém, Ugo Tucci considera essa data inviável, apontando o nascimento de Cadamosto para alguns anos antes, provavelmente 1429. O autor justifica essa inviabilidade com o facto de, em 1442, Cadamosto ser já agente comercial de Andrea Barbarigo. Ora, caso tivesse nascido em 1432, isso significava que ele teria iniciado a sua carreira mercantil aos dez anos, idade exageradamente precoce.
Cadamosto viu-se privado da sua herança familiar dada a condenação do pai ao exílio, na sequência de actividades ilícitas. Tal facto levou-o a aventurar-se no comércio internacional ainda muito jovem. Em 1445, teria feito a sua primeira viagem. Foi à Barbaria, em ligação comercial com a empresa de Andrea Barbagio. No ano seguinte, navegava até Creta. Em 1451, embarcou na esquadra comandada por Andrea Contariro que se dirigia para Alexandria. No regresso, partiu para Flandres, de onde voltou em 1453.
Em Agosto de 1454, junto com o irmão Antonio, Luís voltou a embarcar rumo a Flandres nas galés comandadas por Marco Zen, tendo deixado o irmão Pedro em Veneza, a liderar os negócios da família. No decorrer da viagem, os ventos conduziram-no ao Cabo de S. Vicente. O Infante D. Henrique aproveitou para enviar a bordo Antão Gonçalves e Patrício de Conti, cônsul veneziano, destinados a mostrar à tripulação alguns dos produtos que Portugal recebia dos territórios recém-descobertos e a falar-lhes das riquezas que destes advinham. Cadamosto mostrou o seu interesse nas potencialidades desse novo comércio e, numa reunião com o infante, colocou-se ao seu serviço para futuras viagens. D. Henrique, sabendo do seu conhecimento sobre o comércio de especiarias com o Oriente, aceitou-o e deu-lhe a oportunidade de escolher entre duas propostas: Cadamosto encarregar-se-ia da armação da caravela, entregando-lhe apenas um quarto das mercadorias que trouxesse, ou remeter-lhe-ia tal encargo, dividindo em partes iguais a carga com que regressasse. Dada a precaridade da sua situação económica, Cadamosto optou por deixar a armação da caravela completamente a cargo de D. Henrique.
1464

1464/07/26
SOEIRO MENDES DE ÉVORA, o primeiro alcaide-mor do castelo de Arguim e seu provável construtor, recebeu de D. Afonso V, a 26 de Julho de 1464, uma carta que lhe conferia capitania-mor da ilha de Arguim, para si e para os seus descendentes.
«1464 - 26 de Julho, carta de D. Afonso V concedendo novamente a Soeiro Mendes a função de «alquayde-moor do dito castello ( de Arguim), cassas e villa da dita ylha e resgate d'Arguym, e isto em sua vida, e qua qual alquaydarya lhe loguo pohemos de tença, em cada húu ano, doze escravos ou escravas, ou ouro que os valham; os quaes escravos, ou escravas, ou ouro elle avera pollo resgate que fara ou mandara fazer a outrem en seu nome de tanta mercadorya sua, daquella que por nos nom he defessa, por que se possa aver os ditos escravos, ou ouro que os assy valha ao que os assy resgatarem e doutra guissa nom, os quaees mouros ou ouro, que assy ouver, elle os possa trager, ou mandar frager a quaesquer pessoas de nossos reinos, sem nos pagando della nhúu direito, mas ante toda livremente leve» (22).
(22) - Doc. em Chancelaria de D. Afonso ,-, 1.0 8.º, fl. 88, Arq. Nac. da Torre do Tombo; publ. em Annaes Marítimos e Coloniaes, parte não oficial, 5.ª série, p. 41-42.»
Apud Jorge Faro, Duas expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1465
A ilha de S. Vicente foi descoberta ao mesmo tempo que a de S. Nicolau, em 1465, e doada depois ao duque de Vizeu, na idea de que trataria de a colonisar com gente das ilhas vizinhas; tal colonisação porém não se realisou, e a ilha ficou esquecida quasi até ao seculo XVIII. Em 1781 foi mandada povoar regularmente, assim como as demais ilhas desertas do archipelago, O que todavia só se levou a effeito em 1795, quando João Carlos da Fonseca, proprietário da ilha do Fogo, obteve licença para a ir povoar com vinte casaes d'aquella ilha, sendo nomeado capitão mór.
Mas apesar das despezas feitas por aquelle capitão mór, tão superiores ás suas forças que chegou quasi á mendicidade, não obstante os esforços do governo da metropole, e sem embargo do grande empenho que n'isto poz o govemador José da Silva Maldonado de Eça, não se obteve senão a aglomeração de umas poucas de choupanas, a que se deu o nome de Povoação de D. Rodrigo.
Em 1819 estavam já quasi todas por terra, e não havia talvez mais de 120 habitantes em toda a ilha, de modo que frustrou isto inteiramente o plano do governador Pusich, de para ali transferir a capital da província, querendo erigir uma denominada Villa Leopoldina.
O nobre visconde de Sá da Bandeira, que sempre tem mostrado o mais sincero e ardente desejo de fazer prosperar as colonias de Portugal, determinou em 1838 que se fundasse no mesmo logar uma povoação com o oome de Mindello, em memoria do desembar que do imperador com o exercito expedlcíonario nas praias do Mindello, em Portugal; vinte anos depois, em 29 de abril de t858, foi esta povoação, contando já então bastantes edificios urbanos, elevada á categoria de villa.
1466
1466 Em Cabo Verde, colonos do Algarve, região meridional de Portugal, rogam à Coroa e recebem autorização para comerciarem escravos. Em 1469, o primeiro "contrato de concessão" para a compra e venda de escravos é emitido pela Coroa. Um Decreto Real de 1472 concede aos "moradores estantes" de Santiago o privilégio de "terem escravos, homens e mulheres, trabalhando para eles, permitindo-lhes viver e estabelecer-se melhor". Portugal concedeu autoridade para o comércio em toda a África Ocidental excepto Arguim, na costa da Mauritânia. Os Africanos continentais, forçados à submissão e levados para Cabo Verde, eram geralmente dos povos Balanta, Papel, Bijagó e Mende, da Costa da Guiné. As únicas restrições impostas pela Coroa aos colonizadores caboverdianos eram uma taxa de 25% sobre todas as importações da Costa e o acatamento total do velho embargo à venda de armas, ferro, navios e equipamento naval aos "selvagens".
Muitos dos primeiros colonos brancos foram expulsos para Cabo Verde sem as suas famílias e arranjaram ligações com mulheres escravas, fazendo aumentar a população mulata. Alguns dos colonos ou seus descendentes mulatos passaram para a Alta Guiné e formaram uma classe de intermediários ("lançados") que iria ter um papel crucial na expansão do tráfico de escravos e no estabelecimento do "lugar" dos Caboverdianos na história económica da África Ocidental. Muitos destes intermediários casariam com mulheres africanas para solidificarem a sua posição social em várias sociedades da África Ocidental. Os interesses políticos e económicos portugueses na região colidiam frequentemente com os dos lançados.
1466/01/28
Início da construção da igreja do Espírito Santo na Ribeira Grande. Presença do primeiro franciscano na Ribeira Grande.
Em Cabo Verde, a evangelização começou em 1466, com a presença de dois religiosos, FREI JAIME e FREI ROGÉRIO. Ambos franciscanos do Convento de São Bernardino da Atouguia em Lisboa. Essa assistência foi efémera, terminando no decorrer de um conflito entre os frades e o capitão Bartolomeu de Noli, que teria mandado matar frei Rogério e prender o seu companheiro.
BARTOLOMEU DE NOLI, irmão do governador de Noli e também proprietário de uma plantação em Cabo Verde, é relatado ter ordenado em 1466 o assassinato de um franciscano - FREI ROGÉRIO - alegadamente por este, em nome da Igreja, se ter oposto à convivência de Bartolomeu de Noli com uma mulher portuguesa fora do quadro católico do matrimônio.
Recorde-se que os primeiros franciscanos “tinham vindo com Bartolomeu de Noli que teria iniciado a colonização com uma vida escandalosa, pelo que o Frei Rogério, por o ter levado a razão a amante do italiano, foi por ele assassinado. O mesmo Bartolomeu mandou encarcerar o Frei Jaime, mas temendo a ira popular mandou-o libertar. “ (cfr. Bernardo P. Vaschetto, ilhas de Cabo Verde, Origem do povo cabo-verdiano, p.230).
«Em 1466 desembarcaram na ilha Fr. Rogerio e seu companheiro Fr. Jaime os quaes levados pelo fervor religioso para ali seguiram de Portugal, afim de se occuparem da sua elevada missão, convertendo ao christianismo os negros povoadores, futuros obreiros da civillsação, e confessando a todos.
Não foi muito feliz Fr. Rogerio n'esta missão, que pela segunda vez deixava o seu convento de Athouguia, pois que da primeira passara á Madeira.
Eis o que nos relata Fr. Povoa, que extrahiu do Breviario de Servo de Deus, escripto por alguem que estivesse ao pé de Fr. Rogerio, ou pelo seu companheiro Fr. Jaime.
Em 1466 seguiu para Cabo Verde Fr. Rogerio, com o seu companheiro Fr. Jaime, ambos franciscanos do convento de S. Bernardino de Athouguia, arcebispado de Lisboa e naturaes de Catalunha.
•Que Cabo Verde fôra descoberto em 1460 por Antonio da Noli, e que este era acompanhado pelo seu sobrinho Raphael e irmão Bartholomeu.
•Este ullimo estava já alli como capitão da ilha, quando n'ella aportou o veneravel Fr. Rogerio com Fr. Jaime. Fr. Rogerio achou a terra como elle desejava, só e destituída de povos, exceptuando alguns genovezes, que mais tratavam de colher o algodão pelo matto. Ainda assim se retirava d'este limitado concurso, e posto em deserto, fez uma casa de ramos e terra, para si e seu companheiro, e junto a ella um oratorio dos mesmos materiaes, onde ambos celebravam.
•A caridade nos visinhos pouca e demasiado o seu retiro, pelo que viviam em grandíssima pobreza e necessidade, sustentando-se quando muito, de algum peixe que pescavam, mas sempre satisfeitos e alegres.
•Aconteceu n'este tempo confessar-se a Fr. Rogerio uma mulher, que ocapitão (Bartholomeu) levara de Portugal, e a conservou sempre, vivendo em estado de culpa, com muita publicidade e grande escandalo; e concorrendo a graça divina, com os santos conselhos do veneravel padre se viu ella livre do laço, com que o inferno a trazia presa.
Voltou para o reino, fugindo á occasião do pecado, e o capitão sentido de perder a causa da sua ruina, tratou de tomar vingança no confessor innocente.
Dispoz que o companheiro fosse levado a outra ilha, e n'este meio tempo lhe deu secretamente garrote e para que tudo se effectuasse em segredo fez do mar ataúde do seu cadaver.
•Padeceu este veneravel religioso em defensão da virtude e extirpação do vicio no anno do Nascimento de 1466 aos 28 de janeiro com 70 annos de edade, todos empregados ao serviço de Deus.
•Foi o tyrano Noli tão cego, como são todos os filhos da perversidade, pois queria dissimular o sacrilegio, augmentando a culpa e fazendo maior a fogueira da soa condemnação. Levantou que o devoto Fr. Jayme fõra o homicida, não obstante estar elle n'aquella oceasião ausente por sua ordem: lançou-o em prisão rigorosa, onde padeceo muitos trabalhos, até que sabida a sua maldade no povo e temendo que as mesmas pedras se levantassem castigando a insolencia, o fez sabir da cadêa. E porque não lhe faltasse o vicio de ladrão, roubou jontamcnte quanto havia no oratorio, não obstante ser tudo pobreza.
Fr. Rogerio era famoso letrado, musico, excellente escrivão, muito alegre nas suas conversações e a todos agradavel. Escreveu Breviarios, Discursos, Rltuaes e outros não só de reza, mas de materias differentes.
Este assassinio devia ter sido na Ribeira Grande, unico povoado da capitania do sul dominado pelos Nolis. Ignoramos se Bartholomeu da Noli ficou ou não impune. É certo que na ilha corre uma lenda, de que houve ali uma villa que alguns suppõem ser a dos Alcatrazes, que fõra arrasada e salgada por mandado d'El-Rei, por o capitão d'ella ter raptado a filha de um capitão de navios, que a bordo levava em sua companhia; realisando-se esse rapto, na occasião em que o capitão da localidade mimoseava com um jantar o capitão de navios e tambem á sua filha, ficando o pobre pae só á mesa; que este sem meio de obter qualquer reparação, veio para Lisboa queixar-se a El-Rei da infamia do capitão, e que El-Rel mandou alli um navio de guerra para prendel-o, arrazar e salgar a vllla para que nunca mais houvesse outra n'aquelle local.
Por multo mão senso que tivesse El-Rei, não acreditamos que elle mandasse arrazar um povoado, tornando victimas os moradores, que não podiam ser responsaveis pelos actos deshonestos do capitão.
Esta lenda parece relacionar-se com o procedimento do Fr. Rogerio, que como confessor da amante de Bartholomeu, a induzira a abandonal-o. Abandonou-o, certamente, mettendo-se a bordo de qualquer navio que por alli appareceu.
Uma lenda atravessa o decorrer dos seculos, sempre com o cunho de verdadelra, embora sofra mais ou menos allerações na sua narração.
Quer-nos parecer que a scena, que deu origem ao assassinio de Fr. Rogerio, é a mesma lenda, porque n'ella figuram os mesmos personagens; os capitães e uma mulher; com a differença, porém, que o capitão do navio foi quem proporcionou a fuga á amante do Bartholomeu, dando origem a que á Ribeira Grande fosse um navio, não pelo motivo que a lenda nos conta mas sómente pelo assassínio do veneravel Fr. Rogerio.
Em 1779, suscitando-se no reino algumas duvidas, se a capella de Nossa Senhora da Conceição da cidade da Ribeira Grande, fõra mandada edificar pelo infante D. Henrique, pediram-se informações ao governador de Cabo Verde, o qual respondeu que a tradição dizia, que fôra erecta por elle para n'ella se celebrarem missas por sua alma, uma em cada sabbado, com a ordinária de 60$000 réis no rendimento proprio da alfandega; que fôra esse o primeiro edificio que alli se construiu, e que d'isso não havia assento nem clareza, por ter sido a ilha invadida pelos francezes por duas vezes, que queimaram os antigos cartorios da cidade.
Era infundada essa tradição, pois que em 1466 vemos Fr. Rogerio a celebrar missas n'um oratorio que fez.
Podemos dar-lhe inteiro credito, attribuindo a construcção d'esta egreja ao infante D. Fernando, filho adoptivo e herdeiro de seu tio o infante D. Henrique o qual falleceu em 1470.
Entre 1466 e 1470 marcaremos a data da conslrucção d'aquella egreja, que fôra erguida sobre invocação do Espírito Santo.
Nem podia ter sido o infante D. Henrique, se lêrmos com attenção a carta de privilegios dada aos moradores em 12 de junho de 1466, que diz: «A quantos esta carta virem, fazemos saber que o infante dom Fernando meu presado e amado irmão nos enviou dizer como haverá quatro annos que elle começara a povoar a sua ilha de Santiago...
Começando o povoamento em 1462, não podia certamente, o infante D. Henrique, que falleceu em 1460, ser o promotor d'esse povoamento, e, muito menos, da construcção de qualquer edificio, que tambem requeria pessoal habilitado e material, que decerto levaria alguns annos a conseguil-os alli.»
Subsidios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte I, pgs. 28-31, Lisboa, Imprensa Nacional, 1899
1466/06/12
1466 - 12 de Junho, carta de privilégio dada por D. Afonso V aos moradores da ilha de S. Tiago, referindo o Monarca que: Lhe pertencem os tractos das partes da Guiné;
À excepção do tracto de Arguim, com suas demarcações, aonde apenas poderá ir comerciar «quem nos quisermos e por bem tivermos per nossa licença e lugar»; os moradores de S. Tiago ficavam autorizados a, sempre que quisessem, ir com navios tractar e resgatar em todos os restantes tractos, transportando todas as mercadorias que tivessem e quizessem levar, desde que não fossem armas e ferramentas, navios e aparelhos deles;
Segundo a Ordenança estabelecida para todos aqueles que do Reino pretendiam ir comerciar à Guiné, cada armador tinha de solicitar licença ao Rei, directamente ou através dos seus oficiais, e requerer a nomeação de escrivães para os acompanharem nas viagens e elaborarem o rol de todas as mercadorias trocadas;
Os moradores de S. Tiago, que quisessem ir comerciar à Guiné, pediriam licença e nomeação de escrivães ao recebedor ou almoxarife, designado pelo Rei para na ilha de S. Tiago, assim que regressassem os navios que tinham ido efectuar o tracto à Guiné, arrecadar o direito do quarto sobre todas as cousas resgatadas na Guiné, rendimento este que pertencia ao Rei e que a expensas suas seria transportado para Portugal;
Os escrivães, que iam nos navios saídos de S. Tiago, venciam os mesmos ordenados do que aqueles que saiam de Portugal, mas apenas durante o tempo que durava a viagem de S. Tiago para a Guiné e volta;
Liquidado o direito do quarto, os mercadores podiam vender livremente os produtos e escravos, dentro ou fora da ilha; no caso de trazerem as mercadorias para venderem em Portugal ficariam isentos de aqui pagar direitos e dízimas (23).
(23) - Doc. transcrito no Livro das Ilhas, fl. 2 v., Arq. Nac. da Torre do Tombo; publ. por Senna Barcellos - Subsidies para a hist6ria de Cabo Verdie e Guiné, Parte 1, p. 21-23.»
Jorge Faro, Duas expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
Foi concedida a Carta Régia pela qual o lnfante D. Fernando passou a arrecadar o «quarto de todas as coisas que os moradores de Cabo Verde resgatarem em as ditas partes da Guiné».
Só em 1466, por carta régia, todas as ilhas de Cabo Verde receberam um foral com privilégios especiais para os seus moradores.
A política africana das descobertas, defendida pela burguesia, levou os descobridores às terras da Guiné que foi um dos grandes centros de comércio com as populações autóctones, em que se incluía o recrutamento de escravos.
Na altura da chegada àquelas paragens, governava em Portugal o rei D. Afonso V (1438-1481).
Carta régia da concessão de privilégios para o incentivo da fixação de colonos em Cabo Verde.
Para cativar a presença de novos povoadores a coroa acenava com um soldo dobrado em relação ao do reino e as possibilidades de comércio na costa africana. Os privilégios concedidos em 1466, para o comércio nas costas da Guiné, exceptuando as mercadorias defesas e o trato de Arguim, foram o principal chamariz para os novos colonos esquecerem as agruras do clima.
No enquadramento de monopólio régio que se esboçou, em que apenas por arrendamento e concessões pontuais se entreabria a particulares, os habitantes de Santiago ou excepcionalmente aqueles que, não o sendo de facto, tinham obtido do rei o estatuto de “moradores” da ilha, ganharam direitos especiais. Para promover a colonização da ilha, D. Afonso V, deu-lhes, em 1466, a possibilidade de participar livremente e num regime de certa exclusividade nos tratos da costa da “Guiné”. Mas a costa da Guiné (a até então descoberta) da carta régia de 1466 tinha o sentido mais lato do termo dos documentos oficiais de então, com uma excepção importante: o comércio da feitoria portuguesa de Arguim. 9

9 Carta régia de 12 de Junho de 1466: ANTT, Chancelaria de D. Afonso V, L. 14, fl. 104 e Livro das Ilhas, fl. 10, pub. in História Geral de Cabo Verde. Corpo Documental, vol. I, pp. 19-22.  
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