☻
1446 - Neste anno Luiz de Cadamosto e Antonio Nolle armárão
novamente duas Caravelas, para irem completar o descobrimento do Rio Gambia,
obtendo primeiro a indispensavel licença do Infante, que folgou tanto com esta determina ção, que mandou em companhia delles huma Caravela sua.
No
principio de Maio sahírão de Lagos as três Caravelas, e em poucos dias vrão as
Canarias, onde não quizerão demorar-se, para aproveitarem o bom vento que
trazião; e seguindo a sua derrota, reconhecêrão Cabo Branco, do qual se
amárarão hum pouco, e na noite seguinte as assaltou huma tempestade de S.O.,
com que se puzerão á
capa no bordo de O.N.O. por tres dias e duas noites, e ao
terceiro dia virão com espanto duas Ilhas, de que não folgárâo por saberem que
erão ainda desconhecidas; e dirigindo-sea hua, que era grande,
rodeárão alguma parre della, até descobrirem hum local, que lhes pareceo bom
surgidouro; e abonançando o tempo, enviárâo huma lancha bem armada a examinar
se havia povoação.
Dcsembarcárâo
os Portuguezes, e não vendo caminho, nem vestigio algum de gente, voltárão para
bordo; e na manhã seguinte mandou Cadamosto
á mesma diligencia doze homens armados, com
ordem de subirem a hum monte mais alto, e observarem se
havião outras llhas. Estes homens achárâo muitos pombos, que se deixavão tomar á
mão, e do monte descobrirão outras tres Ilhas
grandes, huma das quaes ficava para o Norte, e lhes pareceo verem para o
Sul a modo de outras; assim as Ilhas agora descobertas erâo quatro.
Desta
primeira Ilha se dirigírâo as CaraveIas ás outras duas, que nâo
ficavão tanto a sotavento da derrota, que deviâo seguir para a sua comissão, e
rodeando huma dellas, que parecia cheia de arvoredo, descobrírão a boca de hum
Rio, que julgárâo seria de boa agua, e surgírão para se proverem della. Aqui
desernbarcárâo alguns homens da Caravela, e caminhando pela margem do Rio,
achárâo algumas lagoas de excellente sal; daqui embarcárão muito, e os navios
renovárâo a sua aguada. Colheo-se quantidade de grandes tartarugas, cuja carne
era tão branca, como a de vitella, e de optimo gosto, e por isso salgárâo
muitas pera a viagem; e o peixe era
innumeravel, algum de especíes novas, e muito saboroso.
O Rio tinha
de largo hum tiro de seta, e podia entrar nelle qualquer embarcação de 75 toneladas. Nesta Ilha se demorarão
dous dias, matando infinitos pombos, e puzerão o nome de Boa Vista a primeira
que descobrirão, e a esta segunda o de S. Tiago, por ter ancorado nella dia de
S. Filipe, e S. Tiago (I).
(I)Acho aqui huma contradicção manifesta: Cadamosto conta; que sahio de
Lagos no principio do mês de Maio, e
que deo o nome de S. Tiago a esta llha,
por haver ancorado nella no dia de S.
Filippe, e S.Tiago, que
he juntamente no primeiro daquelle mer. Ceio por tanto haver erro de impressão, ou de copista oa data
da sua subida de Lagos, escrevendo-se.Maio em lugar de Abril. Concorda isto com a namrração de Goes (Chronica do
Principce D. João, Cap.º 8.º, em que colloca esta Viagem no anno dê 1445), onde
diz: Desta vez descobrirão estes
cavalleiros as Ilhas de Cabo Verde, levando dezeseis dias de viagem; e á
primeira que virão chamarão Boa Vista, e á outra S. Filipe, por chegarem a ella
no 1º de Maio; e á terceira chamarão Maio pela mesma razão.
Partirâo
as Caravelas na volta de Cabo Verde,eem poucos dias avistárâo terra em
hum lugar chamado as Duas Palnas (1); entre o Cabo e o
Senegal; e correndo a Costa, na manhã seguinte dobrárão o Cabo, e chegando
ao Gambia, entrárão logo por elle, navegando de dia com a sonda na
mão. As Almadias dos Negros andavão ao longo das margens, sem ousarem chegar-se.
Cousa de oito milhas da barra acharão huma Ilhota em que surgírão e lhe
chamárâo de SãoThomé, por ser o nome de um marinheiro, que ali sepultarão (2).
Deixando
a Ilha, continuárâo a sua navegação pelo Rio seguidos das Almadias dos Negros,
que a final, attrahidos com mostras alguns panoos, e seguranças de paz,
e amizade, vierão á Caravela de Cadamosto, a que subio bum,
que fallava a língua do interprete, e se mostrou maravilhado de ver a grandea
do navio, e sobre tudo das vélas, porque eles não as
usâo nas suas Almadias; e igualmente se espantava da
côr branca, e do trajo dos Portuguezes. Estes acariciárão muito o Negro, e elle disse que estavão
no Paiz do Gambia, cuio principal Senhor se chamava
Forosangoli, que habitava a nove ou dez jornadas de distancia pela
terra dentro
para a parte do Sueste,e dependia de Melli, o grande Imperador
dos Negros; mas que havião outros muitos Senhores menores,
que viviâo junto das margens do Rio, e que elle os levaria a hurn destes por nome
Battimansa, com quem poderiâo tratar amizade.
Acceitando-se-lhe
a offerta, e sendo bem recompensado, ficou a bordo, e as Caravelas continuárão a
subir o Rio, levando a proa sempre ao Nascente, até que chegárâó
ao Estado de Battimansa, que ficava perto.
(1)Não achei este ponto notado em Carta alguma,e creio que
só·foi reconhecido ele Cadamosto, por haver alli notado aquellas duasPalmeiras
na sua primeira Viagem.
(2)He provavel que esta llhota de S. Thomé seja a Ilha de James dos ingleses.
Sahidos
do Rio., navegárâo a Oeste· para se afastarem da Costa, que he mui baixa, e
depois continurâo ao Sul, navegando só de dia, com boas
vigias, e pouca véla, dando fundo todas as noites. As Caravelas ihião huma na
esteira da outra, e cada dia por escala tomava huma a vanguarda. Ao
terceiro dia vírao hum Rio (1), que teria de largo meia milha; e logo adiante
hum pequeno golfo, que mostrava ser embocadura do Rio (2); e por ser ja tarde,
surgírão. Na manha seguinte se fizerão á véla e, engolfando-se algum tanto,
descobrirão outro grande Rio, cujas margens estavão revestidas de belíssimas
arvores. Aqui deram fundo, e mandaram duas lanchas armadas com os interpretes a
tomar língua da terra, os quaes voltarão com a noticia, de que este Rio se chamava de Casamansa, nome do
Senhor daquele Paiz, que habitava cousa de sete legoas por elle acima, e
não se achava então alli, por haver ido á guerra: por esta causa se partirão no
dia seguinte, avaliando a distancia do Rio ao Gambia em setenta e cinco milhas
(3).
(1)Parece que seria o Rio de S. Pedro , oito ou nove legoas
ao Sul do Gambia.
(2)Devia ser o Rio de Santa Anna, ou a boca do Norte do Rio
das Ostras, que ambos ficão. ao Sul do Rio de S. Pedro.
(3)O Rio de Casamansa está situado (a ponta do Norte) na
latitude" de 12° 28', e longitüdede 1º 30’,e dista do Gambia sessenta
milhas, com pouca diferença. Podem entrar nelle
embatcações medianas, porque tem duasmilhas de largo, e de tres a quatro braças
defundo. Toda a Costa, entre elle e o Gambia, be guarnecida de recifes, a que
he perigoso aproximar-se. Da banda do Norte da sua entrada fica huma Ilha
pequena, chamada dos Mosquitos. Este Rio comunica-se por dous braços com o Gambia, e por quatro, ou cinco com o de Cacheo. Habitão este Paizentre elle e o Gambia os Arciates, e
Falupos,Negros mui azevichados, e boçaes, que cultivão arroz, milho, e outros
mantimentos, e muito gado, e são bons pescadores; as armas de que usão, são
frechas, e facas.
Continuando
a sua viagem, virâo mais adiantecousa de quinze milhas hum Cabo, cujo terreno
era mais alto e avermelhado, e por isso he puzerão o nome de Cabo Roxo
(1); e alem delle acharão outro Rio, que lhes pareceo ter de largura
hum tiro de bésta, e denominárao Rio de Santa Anna; e mais adiante outro
da mesma grandeza a que chamárão de S. Domingos (2); de Cabo Roxo a este ultimo
Rio arbitrárão a distancia em quarenta e cinco milhas, pouco mais ou menos.
Continuando
a seguir a Costa por outra singradura, chegárâo á
boca de hum grandíssimo Rio, que primeiro cuidarão ser hum golfo (3), cuja
largura reputárão ser de mais de quinze milhas; e dobrando a pontado Sul da sua
foz, descobrirão algumas Ilhas ao mar; e desejando saber algumas noticias do
Paiz, derâo fundo. No dia seguinte vierâo duas Almadias, huma muito grande com
trinta Negros, e outra com dezeseis, e depois de fazerem reciprocos signaes de
paz, abordou a primeira á Caravela de Cadamosro, que tinha a sua gente em
armas. Os Negros mostravão-se pasmados de ver gente branca, e da fórrna, e
mastreação das Caravelas; porém como nenhum dos interpretes os pôde entender,
não souberâo os Portuguezes nada do que desejavão; e só comprárão alguns
pequenos anneis de ouro.
Dous dias
se demorárão as Caravelas, e conhecendo os Commandantes que estavâo em Paizes
novos, onde não podiâo ser entendidos, e que o mesmo lhes sucederia d'alli por
diante, regressarão a Portugal. Nesre Rio tornou Cadamosto
a notar,
que a estrella do Norte apparecia muito baixa; e vio hum fenomeno, para elle novo,
e foi que a enchente da maré durava quatro horas e a vasante oito e no
principio da enchente era tal a força da corrente, que ainda surtas a três
ancoras não se podião as Caravellas aguentar, e a algumas vezes forão obrigadas
a fazer-se á véla com bastanre perigo.
Partindo
deste Rio, fizerão-se na volta do mar para reconhecerem as llhas (4), que
ficàvão sete, ou oito légoas da terra firme, e chegando a ellas, achárao duas grandes,
e outras pequenas: as duas grandes erão razas, com frondosos arvoredos , e habitadas
de Negros, cuja linguagem não entendêrão.
Daqui tomarão
rumo para as partes dos Christãos, para as quaes tanto navegarão, até que Deos por
sua msericortiia os conduzio a bom Porto.
(1) Cabo
Roxo está situado na latitude N. de 12º 17', e longitude 1º 22’. A traducção
diz Cabo Yermelho, mas eu não
doptei este nome, por não confundir este Cabo, que se acha hum pouco ao Sul da
Bahia de Rufisco, •m 14° 37' de latitude, e 0º 36' de longitude, com o Cabo de que falla aqui Cadamosto, o qual ainda conserva a
denominação de Roxo.
(2)
Passado Cabo Roxo, o primeiro Rio, a que Cadamosto chamou de Santa Anna, he o
Rio de S. Domingos, ou de Cacheo; e o segundo, a que elle deo ete nome, he o braço do Norte do Rio chamado das Ancoras nas
Cartas Inglesas. Os Navegantes, que se lhe seguirão,
restitulrão ao de Cacheo o seu verdadeiro nome, e esquecêrão o de Santa Anna.
Este Rio de Cacheo está situado na latitude N. de 12º 25’, e longitude 1º 23’.'
(3)
Tatvez seria este Rio o braço do Sul do das Ancoras, ou antes o Rio de Bissau,
que pela curvacura da terra se figuraria a Cadamosto
muito maior.
(4) Indo
do Rio de Cacheo para o Sul, ficão de parte de Oeste muitas Ilhas, humas
povoadas, e outras não.
☻ 1446 – Neste anno (se não
foi no antecedente) partirão por ordem
do Infante Antão Gonçalves, e Diogo Affonso (1) em duas Caravellas, e com eles
Gomes Pires em huma do lnfante D. Pedro, com instrucções para entrarem no
Rio do Ouro, e darem principio á introducçâo do Christianismo entre aqueltes Povos,
estabelecerem algumas relações commerciaes. Mas como regeitárão humas e outras proposições, os três Commaodantes regressárão para Portugal, trazendo
só hum Mouro velho, que voluntariamente os quiz acompanhar (e o Infante mandou
restituir á sua patria), e hum Negro que comprárão. Aqui ficou entre os
Barbaros hum Escudeiro de nome João Fernandes, com projecto de examinar o
interior do Paiz habitado pelos Azenegues, para informar depois o Infante do
que visse, ajustando com Antão Gonçalves a época em que havia tornar por elle.
☻ 1446 -
Partio do Algarve Nuno Tristão (2) por Commandante de huma Caravela, e desembarcando ao Sul
do Rio do Ouro, assaItou huma Aldêa, em que cativou vinte pessoas; e com
ellas voltou a Portugal.
☻ 1446 - Neste anno expediuo Infante (3) a Antâo
Gonçalves por Commandante de tres Caravelas, sendo os outros dous Garcia
Mendes, e Diogo Affonso, com ordem
de ir buscar João Fernandes (por serem passados sete mezes que Iá estava),
objecto este do seu maior
interesse, pelos desejos que tinha de saber por elle noticias exactas daquelles
Povos, e dos recursos commerciaes do Paiz, por ser homem que entendia bem o
idiomados Azenegues.
Hum
temporal espalhou os navios, e Antão Gonçalves foi o primeiro que chegou ao
Cabo Branco, onde arvorou huma grandeCruz de páo, para servir ás outras
Caravelas de signal de haver alli aportado; e por
fazer
alguma presa, que lhe compensasse os trabalhos da viagem, depois de desembarcar
sem fructo em alguns pontos da Costa, demandou
a Ilha de Arguim,a que a abundancia da pesca atrahia quantidade de
pescadores (4), a pesar do risco a que os expunhão os frequentes assaltos dos
Portuguezes.
Nesta Ilha
se lhe reunirão as outras duas Caravelas e, como os Mouros havião desamparado a
Ilha, por terem descoberto os navios, desembarcou Antâo GonçaIves na terra
firme; e dando com huma Aldea, se bem que os Mouros se puzerão a tempo em fuga;
como costumavão, cativárão os Portuguezes no alcance vinte e cinco, dos quaes Lourenço Dias de Setuval tomou nove, por
ser mui ligeiro. Quando voltavão mui alegres desta especie de caçada, encontrarão
João Fernandes,que havia dias os
andava esperando por aquela Costa, e posto que muito queimado do Sol, vinha bem
pensado e gordo, e acompanhado de alguns Azenegues, tanto para o defenderem
dos pescadores, como para traficarem com os Portuguezes; e
com effeito Antâo Gonçalves lhes comprou nove Negros, e algum ouro em pó, e por
esta causa chamou áquelle lugar Cabo do Resgate (5).
Para
celebrar este feliz encontro com João Fernandes,
armou Antão Gonçalves Cavalleiro a Fernão Tavares, homem de nobre
nascimento, que havendo-se achado em brilhantes acções militares, não quiz
nunca receber similhante honra, senão neste Paiz, por ser novamente
descoberto; e fazendo-se á véla para Portugal, veio correndo a Costa, e em Cabo
Branco assaltou huma Aldea, em que cativou cincoenta e
cinco pessoas, depois de
hum combate, em que morrerão alguns Mouros; e chegou ao Reino a salvamento. O
Infãnte folgou muito mais de ver João Fernandes, que o ouro, e os escravos que
as suas Caravelas trazião, e delle soube: Que os Azenegues do interior daquelle
Paiz erâo pastores, que vivião em Aduares, ou Tribus, e se nutriâo de hervas,
sementes dos campos, e gafanhotos seccos ao Sol, ou de leite do seu gado, que
tambem ás vezes lhes servia de bebida, por se nâo achar agua, senâo de poços,
quasi salôbra, e ainda em poucos lugares, para onde transportavão os rebanhos,
segundo as estaçóes do anno; e só comiâo carne de alguma caça que matavão. Que
os habitantes da Costa erão pescadores, cujo alimento consistia em peixe
fresco, ou secco, sem sal. Que o Paiz era todo de planicie, parte areal, parte
charneca, onde de longe em longe cresciâo algumas palmeiras, e figueiras bravas;
e assim, por falta de pontos de direcçao, quando os naturaes queriâo fazer huma
jornada para mudar de pastos, governavam-se pelos ventos, estrellas, e vôos
daquellas aves que costumão frequenfar es lugares povoados. Que as suas
habitações erão tendas, em que viviao humas Tribus independentes das outras, e
muitas vezes em guerra pela posse de hum pedaço de terra de hervagem, ou de hum
poço. E que o seu idioma era quasi identico ao dos Mouros da
Barberia.
De resto
João Fernandes ainda que foi logo despojado dos vestidos por estes Azenegues
nao recebeo delles outro
damno, e habituando-se em breve ao seu modo de vida, e de sustento, mereceo a
confiança deHuade Meimom, hum dos principaes Azenegues que vivia com mais
comodidades que os outros; e foi quem o mandou com alguns dos seus a esperar os
navios (6).
☻ 1446 -
Neste anno Gonçalo Pacheco, Thesoureiro
da Casa de Ceuta, rico Cidadão de Lisboa, armou huma embarcaçâo á sua custa,
com a necessaria licença do Infante, para mandar á Costa de Africa (7), cujo
commando deo a Diniz Annes da Grã, Escudeiro do Infante D. Pedro; e em sua
conserva forão Alvaro Gil, Ensaiador da Moeda, e Mafaldo (não se sabe sabe o
nome), por Commandantes de duas Caravelas. Chegados a
Cabo Branco, achárâo hum escrito de Antão Gonçalves, em que avisava todos os
navios se poupassem ao trabalho de desembarcarem alli, por quanto elle deixava
destruida a Aldêa dos Mouros. Com esta noticia, e por conselho do Piloto João
Gonçalves Gallego, dirigirão-se á Ilha de Arguim, em que cativárão sete
indivíduos; e Mafaldo, instruído por hum dos cativos, desembarcou na terra
firma, e atacando huma Aldea, tomou quarenta e sete pessoas: depois executarão
outros desembarques inúteis.
Desconfiados
de fazerem desta mais prezaz, pela cautela com que os Mouros se vigiavam,
navegarão oitenta légoas de costa para o Sul, e dalli voltarão á Ilha das Garças a fazer carnagem; e nesta ida, e na
volta desembarcarão algumas vezes, e cativárão cincoenta pessoas, com perda de sete
homens, que os Mouros lhe matarão em huma das outras Ilhas de Arguim, por
meterem a lancha em paragem tal, que ficou em seco. Na Ilha das Garças
acharão Vicente Dias.
(1)Vede
Barros, Decada Iª, L.º I, Cap. 9 – Soares da Silva, tomo Iº, Cap.º 84 – Faria e
Sousa, Asia Portuguesa, tomo Iº, Parte Iª, e tomo 3º no fim – Antonio Galvão,
pag. 24.
(2)Vede
os Escritores acima citados, menos Galvão, que não faz menção desta pequena
Viagem
(3)Vede
Barros, Cap.º10. - Soaresda Silva, Cap.º 85. Faria
e Sousa nos mesmos lugares citados,onde põe esta viagem no
anno de 1447. - Galvão não faz menção della
(4)Segundo
o testemunho positivo de Cadamosto, que ja referi, começava-se a construir
nesta Ilha hum Forte no anno de 1445 por ordem do Infante, e concentrava-se alli o Commercio daquella Costa, cessando em consequência toda esta guerra de
assaltos, e cativeiro dos naturaes do Paiz; mas esta viagem, e as outras
emprehendidas neste anno, e no seguinte, desmentem aquella asserção, e a
difficuldado não póde resolver-se, senão ou negando a
authoridade de Cadamosto, que he mui grande pelo credito que lhe dá Damião de
Goes, ou suppondo erro nas datas destas Viagens. Com effeito os nossos
Historiadores são inconcordaveis nas épocas dos
descobrimentos da Africa! Eu não decido a questão, siga cada hum a opinião que
lhe parecer mais provavel; só advirto, que não falta quem duvide da veracidade
de Cadamosto.
(5)Não
achei este Cabo mrcado nas Cartas; mas sem dúvida he alguma ponta de terra
fronteira á Ilha de Arguim.
(6)A
narração de João Fernandes, ainda que tão antiga, concorda com a do lngles
Mungo Parker, que visitou aquelles Paizes no seculo actual.
(7) Vede
os Authores ja citados: Faria põe esta Viagem em 1447. Vede Soares da Silva,
Capitulos 85, e 87. - Faria e Sousa noslugares citados, que colloca esta
expedição em 1447. - Barros no lugar ja indicado, pag. 7, diz que as Caravelas
sahiráo de Lagos a 10 d’Agosto de1445, no que ha engano, pois nomêa entre ss Commandentes a Diniz Fernandes, o que primeiro passou á terra dos Negros, isto
he, a Cabo Verde; e no Cap. 9, ,
pgg. 73,e 74 o faz descobridor
deste Cabo em 1446. Creio que devem trocar-se estas datas. N. B. A edição de Barros, de que
trato, he a de 1778. – Goes tambem põe esta Viagem. (Cip. 3) em 1445, na
Chronica do Principe D. João.
1446/08/00
Novos incidentes nos rios da Guiné
Ao desastre sucedido a Nuno Tristão e seus companheiros
seguiu-se
um
outro ocorrido pouco tempo depois, quási nas mesmas condições e no
mesmo local.
Do pôrto de Lagos haviam saído
oito barcos sob o comando de Gil Eanes, Fernão Vilarinho, Estêvão Afonso, Lourenço d'Elvas e João Bernardes, aos quais se juntou um navio
pertencente ao bispo do Algarve. A esta frota associaram-se
na
ilha
da Madeira mais dois barcos de Tristão
Vaz e Garcia Homem. Depois de
uma acção infrutífera no arquipélago de Canárias, regressaram
os
navios da
Madeira e o de Gil Eanes.
Os restantes oito «foram sua viagem até chegarem
a além do Cabo Verde, LX léguas, onde acharam um rio que era assás
de boa largura, no qual entraram com suas caravelas; mas não foi aquela entrada mui
proveitosa para a caravela do Bispo, por quanto se acertou
de topar em um banco de areia, de que abriu por tal guiza que a não
poderam dali mais tirar... Mas se alguns em isto ocupavam,
Estêvão
Afonso e seu irmão foram em terra cujos moradores eram em outra parte...
E seguindo assim em seu caminho
alguma peça, disseram que acharam a terra com grandes sementeiras e muitas árvores de
algodão e com muitas herdades sementadas de arroz e assim outras árvores
de desvairadas maneiras. E diz que tôda aquela terra lhe
parecia a maneira de paues... E entrando assim por um arvoredo de grande
espessura,
saíram
a
êles de revez
os Guineus com suas azagaias e arcos, chegando-se a êles quanto mais
podiam. E assim quiz a ventura que de sete que foram feridos, os cinco ficaram
logo ali mortos, dos quais os dois eram portugueses e os tres
estrangeiros.
E estando assim o feito em êste ponto,
chegou Estêvão Afonso com os outros que vinham de trás, o qual
vendo o perigo em que eram, recolheu-os todos o melhor que pôde; no qual recolhimento
houveram
assaz trabalho...»
Por esta singela descrição se vê que, algum tempo depois da morte de
Nuno Tristão, deu-se um segundo desastre, nas margens de um rio notável pela sua largura, situado também a 60 léguas
ao
Sul
de Cabo Verde, num local que não se pode
indicar com precisão, possivelmente
entre
os rios de Gâmbia e Geba, qualquer deles notável pela sua largura.
A circunstância de se mencionar as sementeiras
de
arroz, feitas pelos indígenas, leva-nos a supôr que o
facto se teria passado por volta do mês de Agosto.
Azurara não indica o ano em que saíu esta importante expedição, sendo muito provável
que fôsse em 1446, ou no ano imediato.»
João
Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 35-36
Passagem
do Rio Pungo
A sorte foi mais propícia com Alvaro
Fernandes, que saíu pela segunda vez da ilha da Madeira, com indicação
de seu tio Gonçalves Zarco para que «seguisse mais avante quanto pudesse e que se trabalhasse de fazer
alguma presa, cuja novidade e grandeza pudesse dar testemunho
da boa vontade».
A caravela passou pelos cabos Verde e dos
Mastos e, depois de ter tocado em alguns portos da costa que ia explorando,
chegou à foz de um rio, situado a 110 léguas ao Sul do
Cabo Verde. Nesse ponto os nossos expedicionários tentaram desembarcar, mas foram
atacados por alguns barcos indígenas.
Na contenda ficou ferido numa perna o capitão Alvaro Fernandes, com uma seta envenenada; «mas porque
êle era avisado da sua peçonha, tirou aquela frecha
muito asinha e fez lavar a chaga com urina e azeite, e dali untou-a muito bem com triaga e prouve a Deus que lhe aproveitom».
Deu-se durante esta viagem um episódio referido
por Azurara, que merece ser reproduzido. Tendo os nossos exploradores encontrado,
numa das praias, duas mulheres que andavam a apanhar
mariscos, tentaram prendê-las. Mas uma delas, que trazia um filho
dos seus dois anos, opôs tanta resistência que nem três homens conseguiram
dominá-Ja. Para resolver a dificuldade, um dos marinheiros conduziu a
criança para o bote fazendo menção de se retirar. Vencida por êste ardil
deshumano, a indígena cessou de lutar e deixou-se aprisionar fàcilmente, preferindo
seguir o destino incerto do filho, a perdê-lo.
«E era isto a além do Cabo
Verde CX léguas... E esta caravela foi mais longe êste ano que todolas outras,
pelo qual lhe foi dado de grado 200 dobras, scilicet, cento que mandou dar o
Infante D. Pedro e outras cento que houveram do Infante D. H enrique», (Azurara, cap. LXXXVII).
Até onde chegou Álvaro Fernandes nesta sua última
viagem?
Na resolução dêste problema surgem as
mesmas dúvidas que já encontrámos em relação ao número e comprimento
das léguas indicadas por Azurara. Admitindo que o conto das
léguas esteja certo e atribuíndo-se-lhes a extensão de 5.920 metros, poderemos concluir
que Alvaro Fernandes chegou até à baía de Konakry, a moderna capital da Guiné
Francesa,
Mas sôbre êste ponto encontra-se uma referência de João de Barros. Analisando
êste trecho da Asia,
escreve o sr. Armando Cortesão no Boletim da Agência Geral das
Colónias, já aludido:
«Diz Barros que êste rio em que Alvaro Fernàndes foi ferido é o
rio Tabite, situado 32 léguas além do Rio de Nuno, o que
está de acôrdo com o que diz Azurara de êle ter navegado alguns dias a partir do Cabo ·dos Mastros e ter depois chegado quási tão longe como a Serra Leoa.
Em nenhuma das cartas antigas do Atlas do Visconde de Santarém
vem indicado o rio Tabite; na altura indicada por Barros encontra-se em algumas dessas
cartas o rio Pichel que deve corresponder ao actual rio Pongo da Guiné Francesa...»
A dificuldade encontrada por Armando Cortesão na descoberta do rio Tabite parece-nos que é resolvida por uma passagem do Esmeraldo, que nos fala do rio Caabite, situado também
na Guiné F rancesa.
No capítulo 32 do livro I da obra de Duarte Pacheco acha-se esta informação:
«... Adiante destas ilhas dos Idolos 7
leguas acharam um rio que se chama do
Cristal... Quatro leguas deste rio do Cristal está outro rio
que se chama Caabite, o qual tem uma boca
larga... Adiante do Caabite cinco Ieguas
está o rio que se chama de Tamara...»
Temos portanto um rio Cabite ou Tabite, situado a II léguas das ilhas dos
Idolos, ao Norte do Melancorê, e dentro das 32 léguas indicadas
por João de Barros.
De tôdas estas informações de diversos autores, Azurara, Duarte
Pacheco e João de Barros, parece lícito concluir-se que no ano de 1446 Alvaro
Fernandes chegou às proximidades da Serra Leoa, a II leguas
ao
Sul
das Ilhas dos Idolos. (Los Islands).»
João
Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 36-38
1447
«Em 1447 -
Nos capítulos 89 a 94 da sua obra, Azurara descreve mais
quatro expedições enviadas com o fim
meramente comercial, uma ao norte do Cabo
Bojador, e três para o Rio de Ouro, sob a capitania de Gomes Pires, Antão Gonçalves e Jorge Gonçalves.
Finalmente
a
Crónica de Guiné termina com o relato da
viagem
que
vitimou
o
gentil-homem
dinamarquês,
de nome Vilarte (Valarte, Bolarte, ou Abelhart) que, levado por espírito
aventureiro, viera a Portugal com o propósito de tomar parte nas explorações
da costa africana.
Esta
última expedição, que parece ter sido organizada pelo Regente D. Pedro,
saíu
de
Lisboa em 1447, com especial missão de entabular negociações com o rei do
cabo Verde que se dizia muito poderoso e possivelmente cristão. Depois de uma demorada
viagem de seis meses, «chegaram à ilha da Palma, que é...acerca do Cabo
Verde...fizeram depois vela para diante... e, sendo a fundo da ponta, em
um lugar que entre os naturais é chamada Abram, ali fizeram lançar o seu batel
fora em terra...»
Vieram ao seu encontro os chefes de nome Guitany,
Satan e Minef, que se diziam subordinados
a um rei chamado Boor, cuja residência ficava a uns seis dias de jornada (ª). Embora se mostrassem sempre
desconfiados, os indígenas da região, durante os dias que a caravela esteve no pôrto efectuaram
a
permuta de algumas mercadorias.
Estas transacções
não
lograram, porém, inspirar inteira confiança nos indígenas que pareciam estar em
desacordo entre si sôbre a atitude a adoptar com os portugueses e assim numa ocaião em
que
Vallarte se encontrava na praia com o seu batel, os indígenas caíram sôbre êle e seus companheiros, conseguindo apenas escapar a
nado um dos marinheiros. Parece que dos portugueses foi morto apenas um e os restantes
quatro feridos foram levados prisioneiros para a presença do rei Boor. Depois deste desastre, Fernando
Afonso, que comandava o navio, conduziu-o
directamente
para PortugaI.
Diz João de Barros que a
morte de Vallarte se deu no ano em que D. Afonso V chegou
à maior idade, isto é, no ano em que tomou
conta do govêrno, em 1448. Se atendermos que· o navio saído de Lisboa
levou seis meses para chegar ao cabo Verde, pode dizer-se que coincidem
as indicações
dos
dois cronistas,
Azurara
e Barros. Segundo Diogo Gomes o desastre teria sucedido na margem
direita do rio Gâmbia.
O relato
da expedição de Valarte constitue um dos últimos capítulos da Chronica do
Descobrimento e Conquista da Guiné. Supõe-se
que Azurara teria acabado de a escrever no ano 1453, pois é precedida
de uma carta-dedicatória ao Rei D. Afonso
V, datada de 18 de Fevereiro dêsse ano. Ela é, sem
contestação, o melhor e o mais seguro documento histórico que se conhece sobre as expedições enviadas pelo Infante D. Henrique para a exploração e conquista
da costa africana.
Não se sabe
se Azurara teria chegado a escrever o segundo volume, como
prometia fazer, abrangendo o reinado· de· D. Afonso V.
Por
isso, a seguir ao
ano
1447 não é fácil reconstituir-se a história dos descohrimentos da costa africana, com a
minuciosidade que caracteriza a obra de Azurara. No entanto pode-se afirmar que,
depois da viagem de Vallarte, houve uma considerável interrupção na série dos
descobrimentos novos. De 1448 até à morte de D. Henrique, em 1460, as
caravelas portuguesas não tinham passado
além do ponto alcançado por Alvaro Fernandês, isto é, além da baía de Konakry.
(ª) Diz João de Barros
que um dos chefes chamava-se Farim. Deve, porém, notar-se que a palavra Farim é
corrupção do vocábulo indígena Faram, que significa
chefe duma maneira geral e não uma determinada pessoa. Não se trata portanto de um nome próprio.» João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 38
VIAGEM DE VALARTE E
FERNANDO AFONSO (1447)
Dos textos de ZURARA,
BARROS e DIOGO GOMES nos vamos aproveitar na análise desta viagem. Limitamo-nos
agora a transcrever os dois primeiros, porquanto já no respeitante à expedição
de Nuno Tristão se apresentou o terceiro.
ZURARA,
CAP. LXIV (Segundo edição de 1841)
Como
Vallarte foe a terra de Guinee, e per que maneira foe sua ficada.
«Spargendosse a fama deste feito pelas partes do
mundo, ouve de chegar aa corte delRey de Dinamarca e de Suecia e Noruega, e
como veedès que homeẽs nobres se entremetem de quererem veèr e saber semelhantes
cousas, acertousse que huῦ gentil homem
da casa daquele principe, cobiiçoso de veer mundo, ouve sua licença, e veo a
este regno. E andando per tempo em casa do Iffante, huῦ dya lhe veo a pedyr que
fosse sua mercee de lhe armar hῦa caravella, e de o encaminhar como fosse a
terra dos Negros. O Iffante como era ligeiro de mover a qualquer cousa em que
algum boõ podesse fazer honra ou acrescentamento, mandou logo armar hῦa
caravella o mais compridamente que se pode fazer, dizendo que se fosse ao Cabo
Verde, e que vissem se poderyam aver segurança do rey daquela terra, porquanto
lhe fora dicto que he muy grande snõr, mandandolle suas cartas, e que esso
mesmo lhe dissesse algῦas cousas de sua parte por serviço de Deus e da sua
sancta fe; e esto porque lhe afirmavam que era xpaão: e a conclusom de todo era
que se assy fosse, que a ley de Xpõ tiinha que lhe provèsse seer em ajuda da
guerra dos Mouros dAfrica, naqual elRey dom Affonso, que entom regnava em
Portuga, e elle em seu nome, com os outros seus vassalos e naturaaes,
continuadamente trabalhavom. Todo foe prestes muyto asinha, e aquelle scudeiro,
que se chamava Vallarte, metido em seu navyo, e com elle huῦ cavaleiro da ordem
de Xpõ, que se chamava Fernandaffonso, que era criado e feitura do Iffante, que
elle mandava em aquella caravella, porquanto Vallarte era strangeiro, e nom
sabya tam bem os costumes e maneira da gente, que encaminhasse os mareantes e
as outras cousas que pertenciam na governança do navyo, e ainda casy por
embaixador, se se acertasse de veerem aquelle rey, levando pera ello dous
naturaaes daquela terra por turgymaães. Empero a capitanya principal era de Vallarte.
E assy seguiram per sua vyagem, depois de grandes trabalhos que ouveram no mar,
que passados seis meses, do dya que primeiro partiram de Lixboa, chegaram aa
Ilha da Palma, que he na terra dos Negros acerca do Cabo Verde; onde tendo seu
conselho sobre a maneira que dally avante avyam de teer, segundo os regimentos
que levavm do Iffante, fezeram depois vella pera dyante porque ainda aquelle
nom era o porto onde eles avyam de teer assessego. E sendo a fundo da ponta em
huῦ lugar, que antre os naturaaes daquela terra he chamada a Abram, ally
fezerom lançar seu batel fora em terra, noqual sayu Vallarte com alguῦs outros,
onde charom já muytos daquelles Negros, dosquaaes Vallarte requereu que lhe
dessem huῦ, e que elle lhe darya outro, pera aver entre elles segurança per que
podessem aver sua fallas; cuja resposta foe, que tal cousa nom era em eles de
fazer sem autoridade de huῦ cavaleiro que ally estava, caasy como governador
daquela terra, que avya nome Guitenya, oqual tanto que soube semelhante requerimento,
veo ally, e prouvelhe muyto de outorgar o que Vallarte requerya. E tanto que huῦ
daqueles Negros foe na caravella, Fernandaffonso que sabya milhor nossa
linguagem portuguees, começou de falar com elle, dizendosse assy: O que
requeremos tua vinda a este navyo, foe porque digas per nossa autoridade a teu
snõr, como nós somos de huῦ grande e poderoso principe da Espanha, que he na
fim do poente, per cujo mandado aquy viimos pera falar da sua parte ao grande e
boõ rey desta terra; fazendo-lhe ler hῦa das cartas que levavam, aqual lhe foe
declarada per huῦ dos seus entrepetadores, pera o dizer assy a aquelle
cavaleiro que o ally envyara. Quanto, disse elle, se vós querees veer Boor, que
he o nosso grande rey, nom podees pollo presente aver seu recado, porquanto he
certo que he muy alongado daquy, one anda guerreando a huῦ outro grande snõr
que lhe nom quer obedecer. E se ainda fosse em sua casa, disse Fernandaffonso,
em quantos dyas podyam ir a elle com nosso recado, e esso mesmo tornar com a
resposta? De seis ataa sete dyas, serya a maior tardança, respondeu o Guineu.
Pois, disse Fernandaffonso, sera bem que digas a esse cavaleiro com que vives,
que mande la huῦ homem com seu recado, fazendo-lhe saber todo o que te já
disse, e se o teu snõr assy fizer, fara grande serviço ao seu rey e proveito a
sua terra. Hora, disse o Guineu, eu direy todo muy bem a Guitanye. Entom lhes
fezerom
Mais
uma vez se verifica que BARROS se limita a sumariar os dizeres de ZURARA. Uma
única diferença - mais propriamente aumento- se nota: o primeiro denomina o Guytanyede
Farim, por ser governador da terra.
Esquemàticamente
tiram-se dos cronistas as seguintes indicações principais:
1
- A expedição tinha por fim estabelecer relações amistosas como senhor do Cabo
Verde.
2
- Além das cartas para esse efeito destinadas seguiam na caraveladois
intérpretes, «naturais daquela terra», e que se depreende facilmente terem-se
feito entender no local a que chegou Valarte.
3
- O términus da viagem foi para sul da Ilha de Palma (Gorea). Desconhece-se
porém qual a distância a essa ilha.
4
- O local era chamado pelos indígenas Abram e ficava a «fundo de uma
ponta».
5
- O Governador da terra denominava-se Guitenya ou Guitanye (segundo
BARROS, Farim). Outros indivíduos importantes tinham os nomes de Satam, Minef e Amallam.
6
- O «grande rei» da região era Boor, e estava a cerca de 3 dias de
viagem do local
7
- Os indígenas não devem ter morto todos os que ficaram cativos.
8
- Segundo DIOGO GOMES a caravela de Valarte foi além da de NunoTristão (?) ou
daquelas que travaram luta com o Bezeguiche
(?)s endo
porém ainda os Niuminkas os atacantes.
Não
parece fácil à primeira vista com as indicações de ZURARA identificar o local
onde chegaram Valarte e Fernando Afonso. Por isso os investigadores - tão
categóricos a respeito das viagens anteriores- cautelosamente se têm abstido,
de uma maneira geral, em se pronunciar sobre esta.
CHARLES
DE LA RONCIÈRE (1925) refere-se ao assunto em termos tais que se é levado
a supor ser o Guitanye umv asalo do Imperadorde Mali (90).
(90) RONCIÈRE, B 39, lI, pag. 48, «Descendu dans undroit
appelé Abram, il croyait avoÍr desarmé l'hostilié de la tribu du chef «Guitanye», vassal du roi de Mali (Bomeli), qui guerroyait à huit joumées de Ià».
JOÃO
BARRETO (1938) fez notar que pelo relato de DIOGO GOMES o desastre
se teria dado na margem direita do Gâmbia (91).
DAMIÃO
PERES já procura ir mais longe. Começa por notar que de DIOGO GOMES se deduz:
ter Valarte ido além de Nuno Tristão. Como havia feito este último chegar à
barra do Gâmbia, conclui que o «mais além» pode significar que o primeiro subiu
esse rio em maior extensão. A observação de RONCIÈRE (o Boor seria o Bor·Meli)
conjugada com uma informação de DIOGO GOMES (o Bormelli era o senhor
de «toda a terra dos pretos da parte direita do rio») levam-no assim a aceitar
como muito plausível que o dinamarquês tivesse sido aprisionado nas margens do
Gâmbia. Para reforçar a conclusão apresenta ainda a hipótese de o Abram de
ZURARA ser o mesmo que Habanbarranca, aldeia «das imediações do Gâmbia»
citada por DUARTE PACHECO (92).
Finalmente
MACALHÃES GODINHO (1945) também apresenta algumas hipóteses (93). Talvez sugestionado
por RONCIÈRE aíirma que o rei
para o qual Valarte era embaixador não devia ser o de Cabo Verde, por nenhuma fonte o
mencionar, mas sim o Imperador Mandinga. Acha plausível a hipótese de DAMIÃO PERES,
se bem que lhe pareça mais seguro afirmar que o insucesso de
Valarte teve lugar entre o Cabo dos Mastros e o rio de S. Domingos. A
designação de Farim dada por BARROS ao Governador da terra, fá-lo
concluir que «a aceitar-se levariaa localizar a morte de Valarte no rio de S.
Domingos (Cacheu) pois sabemos por Valentim Fernandes (Pág. 84) que o
senhor deste rio é Farinbraço, de origem mandinga,
bem como toda a sua
gente».
(91) BARRETO, B 6, pag. 39.
(92) PERES, B 36, pág.99-100.
(93) MAGALHÃES GODINHO, n 32. II. Pág.s 262-3.
Passemos
agora à
análise dos vários elementos apresentados.
a)Elementos
geográficos
Como
já notou DAMIÃO PERES, o local atingido não deve ficar muito longe da Ilha da
Palma, porquanto o cronista não refere nenhuma escala intermédia. ZURARA indica
expressamente que o objectivo era um rei do Cabo Verde, o que reforça
aquela suposição.
Deve-se
notar ainda que não há qualquer referência a rios, o que faz pensar, até certo
ponto, que a caravela não atingiu a região entre Sangomar Pt. E Cape
Bald, abundante de desembocadouros fluviais, alguns dos quais bem notáveis e
conspícuos.
Mas
a palavra Boor exerceu uma irresistível influência sobre os investigadores
citados, que nela quiseram ver uma referência
ao Bor Meti,
e assim puseram de parte as indicações que levavam a supor ficar o términus
da viagem para o norte do Salum, a fim de poderem realçar a hjpótese do Gàmbia,
habitado por mandingas, onde aquele rei dominaria.
Nesta
ordem de ideias procurou DAMIÃO PERES identificar a palavra Abram com o
nome de uma aldeia referida por DUARTE PACHECO na sua descrição do Gâmbia.
Fàcilmente se pode porem verificar que tal identiíicação não tem
cabimento.
Comecemos
por notar que o Abram de ZURARA ficava na costa, «a fundo de uma ponta».
Não há indicação alguma de que estivesse na margem de um rio; e se, apesar
disso, tal sucedesse, certamente ficaria próximo da foz, pois o cronista não
refere a subida de nenhum por grande extensão.
É
no Cap. 29 do Livro I do «Esmeraldo» que DUARTE PACHECOf ala da aldeia de
Habanbarranca. Depois de descrever o Reino Mandingado Gâmbia e várias
das suas povoações e referir como os portuguesessubiam o rio até 180 léguas da
foz (na realidade 85) paratrazer ouro,o roteirista prossegue da seguinte
maneira:
«...& duzentas leguas
alem deste Reyno de mandingua estaa huma comarca de terra
honde ha nuito ouro a qual chamon toom e os moradores desta provincia teem
Rostro & dentes como caës & Rabos como de carn & som negros & de
esquiua conuersasõm que nom querem uer outros homees & has gentes de uns lugares aos quaes hum deles chamon veetun &
o outro habanbarranca & o oulro baha baião a esta
terra de toom comprar ho ouro
per mercadorias e escravos que que lhe levom os quaes no modo do seu comercio
tem esta maneira...»
Segue-se a já tradicionaI descrição do comércio
mudo do ouro, que outros viajantes da época igualmente
referem, bem como a lenda dos homens-cães.
Não
diz DUARTE PACHECO claramente qual a localização de Habanbarranca; mas
visto que os seus habitantes iam comercial a Toom - 200 léguas para lá
do Reino do Gâmbia - lícito é supor que aquele lugar ficaria situado no Alto
Gâmbia, possivelmente na região de Cantôrá, que era o grande mercado
aurífero (ou mesmo para leste, visto o roteirista indicar anteriormente em
Cantôrá quatro povoações principais, distintas das três que agora menciona)
(94). Difícil se torna aceitar que se Habanbarranca ficasse na foz do
Gâmbia fossem os seus habitantes quem se ocupasse a ir buscar a cerca de 380
léguas o ouro para o venderem noutro local a 180 léguas da sua terra.
Mas
a este argumento de natureza geográfico-comercial junta-se ainda um outro, de
carácter linguístico. Verifica-se que DUARTE PACHECO reproduz com
bastante exactidão os termos indígenas, como se constata com as quatro
povoações de Cantôrá, cujos nomes escreveu com grande fidelidade. É portanto
lícito admitir-se que o mesmo suceda com Habanbarranca ou Banbarranca (como
mais abaixo volta a enunciar). Ora existem no idioma mandinga os dois termos
ABAMBARANCA e BAMBARANCA. O primeiro significa «aquele Bambaranca»; o segundo «individuo
oriundo da tribo BAMBARA» (95) . Os BAMBARAS são um povo afim do mandinga cujo
núcleo principal tem assento na região entre o Alto-Senegal e o Alto-Niger,
para leste já do Alto-Gâmbia. Natural era, em virtude da sua situação geográfica,
que eles
se dedicassem a transportar o ouro
das regiões auríferas (provavelmente o Bambuk e o Bouré) para Cantôrá, onde
recebiam outros produtos em troca; ainda hoje os Bambaras praticam um
activo comércio desse metal, aproveitandoo facto de as zonas do litoral
estarem divididas por várias soberanias.
Quer
isto dizer que DUARTE PACHECO tomou o povo pela região onde ele habitava (o que
aliás sucede frequentemente nos escritos antigos – Jalofo por Terra
dos Jalofos; Mandinga por Terra dos Mandingas, etc.).
Conclui-se
assim que Habambarranca ou Banibarranaa diz respeito à região
habitada pelos Bambaras, a muitas centenas de quilómetros da costa. É
portanto impossível identificá-la, como DAMIÃO PERES quer, com o lugar de Abram,
que ficava no litoral.
Sobre
a palavra Abram apenas conseguimos apurar que não tem relação com a
lingua mandinga, o que exclui a hipótese de o lugar ficar no Niumi.
A
suposição de Valarte não ter passado o Jumbas é assim reforçada.
(94) As quatro povoações são Sutucoo, Jalancoo, Bancoo e Jamnam Sura. Estes termos são mandingas, e perfeitamente identificáveis. São asseguintes as suas interpretações, segundo o Administrador
António Carreira:
Sutucoo - SUTUCUÓ «coisa misteriosa da noite»,
on seja feitiço. É um nome
utilizado para povoações bastante arborizadas.
Jalancoo - O termo pode equivaler a duas
palavras mandingas, qualquer delas com a mesma raiz: JALANCUÓ «relativo a
JALAN; JALAN é um pano branco de grandes dimensões, usado por pessoas de grande
respeitabilidade. Ou então JALAN-COlÓ, a «veste propriamente
dita».
Bancoo - BANCÓ,
terra, local, pátria.
Jamnam Sura - JAMANAM SURÁ. Trata-se de designação de certa planta medicinal. O lermo é próprio dos mandingas
do Gâmbia, pois na nossa Guiné essa mesma planta é
designada por SAPATÉU. Dá-se tal nome às povoações que estejam situadas em local onde exista o
arbusto.
(95) lnformação amavelmente
prestada pelo Adminislrador António Carreira.
b)
Elementos etnográficos
Deixou-nos
ZURARA os nomes de vários indivíduos da região:Guitenya ou Guitanye (o chefe), Satam,
Minef e Amallam.
Podemos
afirmar de certeza que nenhuma das três primeiras palavras pertence à língua
rnandinga (97). Embora não o possamos já garantir tão categoricamente, também
não se afigura provável que sejam de algum dos idiomas das tribos que têm o seu
habitat no actual território português.
Significa
portanto esta conclusão que a zona costeirao onde Valarte aportou ficava ao norte
do Niumi, o que equivale a dizer estar compreendida entre o Ilha de
Palma e o Rio Jumbas (98).
Cremos
que deve ser fácil a identificação dos referidos termos para quem conheça os
idiomas jalofo e serere. Apesar de eles já estarem estudados pelos franceses,
não conseguimos haver qualquer das várias publicações
sobre o
assunto, a fim de resolvermos definitivamente a questão.
A
hipótese do Gâmbia resulta assim muito pouco provável. Ela assenta sobre o
relato de DIOGO GOMES e sobre uma sugestão - a de que o Boo de ZURARA
era o Bor Meli. Ao relato voltaremos mais adiante; a última
identificação vamos mostrar desde já que não tem qualquer valor.
ZURARA
diz que o Guitanye era um chefe local, dependente do «grande rei» Boor.
O primeiro julgava-se com autoridade suficiente para tratar com os
portugueses mas Fernando Afonso não se convenceu e impôs a sua vontade no
sentido de um mensageiro ir levar a carta ao Boor, que nessa altura
estava no interior guerreando um senhor revoltado. Previamente informara-se
porém do tempo que a resposta demoraria, sendo-lhe dito que seis a sete dias:
isto significa que o Boor estava a 3 ou 4 jornadas da costa.
Verificamos
desde já que RONCIÈRE se enganou ao afirmar que o rei estava a 8 jornadas
(talvez baseado em BARROS).
E
éfácil
mostrar que o mesmo lhe sucedeu ao dizer que se tratava do Rei de Meli - Bor
Meli.
A
designação Bor Meli é caracteristicamente jalofa. É certo que DIOGO
GOMES só aplica essa designação, mesmo quando está a falar de informações
colhidas no Gâmbia (Bormelli, Mormelli), mas deve-a te repetido por
frequentemente ouvida entre os jalofos. Os mandingas dizem Mandimansa (99).
O Bor é o equivalente jalofo do Mansa dos mandingas.O imperador
mandinga era conhecid!o na generalidade por Mandimansa; a
sua fama era porém muito grande, e, nalgumas regiões, mesmo naquelas onde não
dominava, davam-lhe nomes equivalentes noutros idiomas, como é o caso presente
com os jalofos, que estavam fora do seu poder.
Em
resumo: o facto de ZURARA chamar ao Rei da região Boor demonstra que não
se tratava
de terra de mandingas, mas sim de jalofos, barbacins ou mesmo sereres (se bem
que estes tenham para o mesmo caso a palavra própria Mad; no entanto, como
estavam muito influenciados pelos jalofos, também podiam empregar o termo
destes).
Aceitar
que Boor em questão era o Bor Meli é absurdo. O Imperador Mandinga
residia nas margens do Alto Nlger, a milhares de quilómetros para o interior
(Valentim Fernandes, pág. 75, diz: «Este rey vive dentro
no sartão 700 légoas»). Para chegar até ele seriam necessários meses, e de modo
nenhum três
ou quatro dias. Poder-se-ia supor ter-se ele deslocado para ocidente, a fim de
combater algum súbdito desobediente; não temos porém informação alguma de que
em tempo algum um Mandimansa viesse até ao Atlântico. As suas conquistas
para os lados do Gâmbia eram efectuadas por cabos de guerra que ele mandava
para esse fim; a administração corria por chefes locais ou enviados, de confiança.Para
mais, nessa altura estava o Imperador mandinga bastante atarefado com vizinhos
próximos, que aclivamente lhe retalhavam domínios perto de Mandem. Estranho
seria supor que numa ocasião dessas ele se deslocasse tanto a ocidente para combater
um senhor da periferia do império. Aliás o seu poder (já nessa altura bastante
teórico) apenas atingia o litoral na zona do Gâmbia.
RONCIÈRE
enganou-se portanto, obcecado como estava com o Imperador de Meli, que na sua
obra constitui uma figura central.
O
Boor de ZURARA era um chefe de menor importância, dos váriosque iam do
Cabo Verde ao Jumbas, da tribo jalofa ou da serere. DIOGO GOMES fala de
dois, na região do Sine, em seguida aos Sereres: o Barbacin (Bor-Ba-Sine)
durte o Barbacin negor. Também
já a propósito da viagem de Nuno Tristão se
falou de um outro Bor de maior
poder que estes: o Borsalo (Bor-Salum), da região do Salum.
De
ALVARES DE ALMADA (caps. III e IV) concluimos que por alturas do Cabo Verde o Budumel
(Bor-Damel) do Encalhor (Caior) deixavade ter dominio na costa do
mar. Ao longo desta corriam até o Rio dos Barbacins (Salum) os barbacins
do Reino de Ale-em-biçane, e desse rio para o sul os do Reino de
Borsalo.
AZEVEDO
COELHO refere os Xeréos (Sereres), à beira-mar, entre os reinos de Encalhor
e Bóol (Baol), sujeitos ao Reino de Porto Dale, ao qual se
seguia, para sul, o Reino de Berbecin, depois o de Borçallo, e ,
após o Rio de Felam (Jumbas), o Reino de Barra (100).
Cita
DIOGO GOMES, antes da última viagem de Nuno Tristão, uma expedição que passou
para o sul do Cabo Verde chegando a terras do Besegichi, tendo este
traiçoeiramente atacado os nossos.
Creio
portanto ser fácil concluir que o Boor de ZURARA diz respeito a alguns dos chefes entre o Cabo Verde e
o Jumbas, talvez o Bor-ba-Sineou o Bor-Salum. Em virtude do mau caminho que
estavam tomando as relações com os potentados negros ao sul daquele cabo,
natural era que de Portugal se enviassem expedições destinadas a estabelecer amizade
com eles. Tal seria o objectivo daquela em que embarcou Valarte, objectivo esse
bem claramente revelado por ZURARA.
Não
vemos portanto razão para crer, como MAGALHÃES GODINHO,que «não deve tratar-se
de um rei da região do Cabo Verde, que nenhumafonte menciona, mas do Imperador
de Meli».
Evidentemente
nenhuma fonte menciona um «Rei de Cabo Verde» - notar que o nome do Cabo éportuguês - mas na região e nas
proximidades havia vários reis, cujos nomes gentilicos apontámos. O «senhor da
terra» de que ZURARA fala seria o Bor Damel - caso o cabo estivesse então na
jurisdição do Caior, o que não pudemos apurar em definitivo - ou o chefe dos
Sereres do litoral, talvez o Besegichi de que tanto fala DIOGO GOMES.
Não vemos razão alguma para ir buscar o Imperador de Meli e não aceitar a
afirmação simples e clara de ZURARA.
Note-se
ainda que os dois intérpretes que levavam se fizeram entender- no que o texto do cronista é bastante
claro. Não é de excluir a suposição de que eles fossem alguns dos cativos das
expedições anteriores. Temos repetidas provas de que havia este costume,
de utilidade evidente. ZURARA não indica porérn que nas três viagens de 1446 se
tivesse capturado algum homem; resta portanto a suposição de que os intérpretes
teriam sido aprisionados nas expedições de 1444 e 1445, no sul do Senegal ou
nas imediações do Cabo Verde. Seriam portanto jalofos, o que significaria que
no local atingido por Valarte habitariam jalofos ou barbacins (ÁLVARES DE
ALMADA indica que embora as línguas sejam diferentes, eles se entendem).
Evidentemente
este argumento não tem demasiada importância, porquanto poderia tratar-se de
escravos obtidos por outras vias, nomeadamente através dos mouros ao norte do
Senegal (101).
Resta
agora analisar uma hipótese derivada da versão de BARROS.
Já
se acentuou que este dá ao Guitanye a designação de Farim, por ser
o Governador da terra («sabido este recado per o Governador da terra a que
eles chamam Farim»). Quer dizer, não se trata fundamentalmente de uma
divergência, derivada de nova fonte (e a comparaçãodos dos textos prova que esta
não existiu), mas sim de uma ilacção. A JOÃO DE BARROS, que estivera na Mina,
não era desconhecido o facto de, entre os mandingas, ser muito vulgar a
designação Farim (mais própriamente Faran - adiante trataremos
pormenorizadamente do assunto) aplicada aos régulos. A palavra era
muito corrente na Guinée no Sudão. Daí o cronista tê-la aplicado ao caso de
Guitanye sem se proocupar se este era ou não mandinga. E fê-lo com infelicidade,
porque errou, pois a referência de ZURARA ao Bor, chefe do Guitanye,
prova que não se tratava de mandingas.
MACALHÃES
GODINHO aproveitou-se do termo de BARROS para o ligar a uma passagem de
VALENTIM FERNANDES onde se fala da existência de um chefe mandinga, Farinbraço, que
tinha assento no rio de S. Domingos {Cacheu). Diz que, a aceitar-se a indicação
de BARROS, a morte de Valarte localizar-se-ia no referido rio. O trecho de
VALENTIM FERNAMDES é o seguinte:
«Ryo
de samdomjgos he hüm ryo qentrã
nanjos por elle ë cima 60 leguas
a este ryo por seu lingoa chamã jaffada. Os navios q vam
tãto acima
vãm resgatar cauallos os quaes resgatã cõ hüm senhor ¨q se chama farinbraço. E he mãdinga e toda sua
gente mandinga». (102)
Comecemos
por notar que no Rio de S. Domingos habitavam então na foz os felupes. A estes
seguiam-se, para montante, os brames e banhuns. Após eles vinham os balantas,
ao tempo de AZEVEDO COELHO sujeitos ao Rei do Casamansa. Só então, a cerca de
20 léguas da foz, surgiam os mandingas do Brossuou Braço, cujo
chefe (Farinbraço) residia normalmente a 30 léguas da barra (e não 60,
como VALENTIM FERNANDES, com exagero, afirma) no local onde chegavam as
caravelas, e perto do qual Gambôa Ayala, por volta de 1641, fundou a povoação
de Farim - (a origem do nome fica demonstrada), uma das mais antigas da
Guiné Portuguesa.
Como
já se viu que Valarte desembarcou na costa - e não temos nenhuma indicação de
que Abram ficava na proximdade de um rio - é fácil concluir que, se
outras razões não houvesse, nunca poderia ser o Farinbraço
o Guitanye de ZURARA.
Acresce
ainda que entre o Gâmbia e o Rio Grande tinham então assento vários Farans, a
que mais tarde nos referiremos, com vagar. A errada indicação de BARROS só
viria afinal complicar a questão, dificultando a escolha.
Fica
portanto demonstrado que não tem qualquer cabimento o que se viu ser uma
ilacção de BARROS, e com mais forte motivo a interpretação de MAGALHÃES GODINHO.
(97) Os três referidos termos foram apresentados ao senhor
Administrador António Carreira, que foi concludente em afirmar que nenhuma
relaçáo têm oom a língua mandinga, admitindo como possível terem sido
introduzidos no idioma jalofo pelos berberes da Mauritânia. Desde já declaramos
que no decorrer deste trabalho por muitas vezes ainda recorreremos a informações
de carácter linguístico amàvelmente prestadas por aquele Senhor Administrador,
que conhece a fundo a vida dos mandingas. Essas informações revelaram-se de
grande importância, pelo que desde já aqui lhe deixamos expresso o nosso
agradecimento.
(98) Sabemos, com efeito, que da rnargem sul do Gâmbia, do
Combo, alé ao Cacheu, a costa era habitada por Felupes, como já se demonstrou no
relativo à viagem de Nuno Tristão. Da análise às respostas a um lnqnérito
Antroponímico recentemente levado a cabo na Colónia pudemos verificar a não existência de tais termos, quer na língua
felupe, quer nas restantes. Entre os muitos nomes
indigenas que temos ouvido nunca nenhum se deparou que pudesse aproximar –se
dos três primeiros referidos. Quanto ao quarto termo, apenas nos lembramos do
fula e mandinga Malam, parecido oom o AmalIam de ZURARA. Tal termo é porém de origem árabe, e encontra-se largamente espalhado
por toda a Africa Ocidental, pelo que unicamente se pode concluir que ele, na época e no litoral,
apenas se encontraria no Combo, no Niumi ou daí para o norte (em regiões islamisadas).
(99) Já VALENTIM FERNANDES menciona expressamente o facto, ao descrever o Reino Mandinga:
«Elrey de Mandinga se chama Mãdimãsa
porque os desta terra por seu lingoagë chamã a prouincia de Mãdinga, Mandi. E mansa quer dizer rei por sua lingoa. E a ssim
se chama elrey delles Mandimãsa» (B 45, págs 75).
(100) AZEVEDO COELHO, B 2a, fls. 7-11.
(101) Com um indígena aprisionado por Pedro de Cintra numa
zona do litoral que actualmnte está incluida na
Liberia sucedeu ter sido compreendido em Lisboa por uma escrava, que
evidentemente não podia ter sido antes capturada pelos portugueses no local, e
devia assim ter chegado à Europa por outra via.
(102) VALENTIN FERNANDES, B 45, págs. 84.
c) Os cativos
De
ZURARA parece concluir-se que nem todos os que ficaram
retidos em terra foram mortos.
Diz
o cronista que anos após se soube por alguns cativos que num «castelo» do
interior haviam sido aprisionados quatro cristãos, um dos quais já morrera,
concluindo tratar-se, talvez, dos companheiros de Valarte.
É bem conhecida uma carta, datada de 12 de
Dezembro de 1455, dirigida aos seus credores por um Antonio Usodimare, italiano
que fez uma viagem ao Gâmbia. Nessa carta fala Usodimare
da
existência na regiãõ de um indivíduo «della nostra natione, credo di quelli della
galea Vivaldi» (103).
Já
SANTARÉM, há
um século, mostrara que se devia tratar de algum dos companheiros de
Valarte. A suposição afigura-se bastante verosímil. No entanto continua a
correr como certa a absurda afirmação de Usodimare - como se fosse possível que
após 170 anos ainda andasse pelo Gâmbia alguém (onde aliás não é de crer que os
Vivaldi pudessem chegar com seus batéis) no meio de povos negros, conservasse a
língua italiana e recordação do facto.
Se
abrimos um parêntesis para referir este ponto, que nada interessa à localização
do termo de Valarte, foi porque nunca é demais contestar afirmações de uma
historiografia tão abundante em fantasias.
(103) CADDEO, B 14, págs. 153-55.
d)
Conclusões
Depois
de eliminadas uma série de hipóteses sem fundamento – identificação de Abram
com Habanbarranca, de Boor com Bor Meli, de Farim com
Farinbraço - continua de pé a
suposição de que o ponto onde Valarte fui morto ou capturado tem de procurar-se
entre a Ilha Gorea e o Rio Jumbas. Já atrás ficaram devidamente expostos os
fundamentos geográficos e etno-linguísticos em
que tal suposição se apoia.
Chegou
agora a altura de voltar ao relato de DIOGO GOMES. Comecemos por notar que este
refere apenas as expedições de NunoTristão e Valarte, omitindo a de Estêvão
Afonso. Como já se acentuou, deduz-se de DIOGO GOMES que a região atingida pelos
dois primeiros foi o Niumi. Com efeito diz ele ter sabido, de um
chefe indígena, que fora o Niummansa quem fizera dano aos cristãos e «às caravelas
já nomeadas». Como antes aíirmara que NunoTristão levara apenas uma caravela e
Valarte outra, as caravelas só poderão ser
as duas
referidas.
Mas
já se viu atrás que os elementos etno-linguísticos extraídos de ZURARA provam
de forma coucludente que Valarte não atingiu a região dos mandingas, o Niumi.
Conclui-se
portanto que DIOGO GOMtES laborou em confusão. Resta
apurar
como esta se formou.
Poderia
ainda argumentar-se que quando ele diz que Valarte navegou «ainda além do lugar
já dito, onde os cristãos tinham sido mortos» se está a referir não a Nuno
Tristão, mas à expedição que descreve anteriormenteà deste, e em que os
atacantes foram os homens do Besegichi. Não se consegue porém assim
desfazer a confusão, porquanto fica de pé o passo relativo ao dano feito «àscaravelas
já nomeadas».
Outra
explicação há porém a apresentar, que se afigura mais plausível. Deve-se
salientar que DIOGO GOMES:
1)
- Não refere a expedição de Estêvão Afonso;
2)
- Atribui à expedição de Nuno Tristão um facto que não se verificou
- a destruição da caravela. Este facto diz porém respeito à expedição de
Estêvão Afanso (encalhe da caravela do Bispo do Algarve);
3)
- Atribui à expedição Valarte factos que não se verificaram - a grande
mortandade dos tripulantes, a condução da caravela por moços e
o encontro de um
corsário na costa de Portugal. Estes factos dizem porém respeito à expedição
de Nuno Tristão;
4)
- Atribui à
expedição de Valarte outro facto que se não verificou - o ter passado além da
de Nuno Tristão. Este facto dis porém respeito à expedição de Estêvão
Afonso.
Conclui-se
portanto que DIOGO
GOMES baralhou e resumiu em duas os sucessos de três expedições diferentes.
Julgo
que à luz desta interpretação - que tem fundamentos evidentes - o desacordo
entre ZURARA e DIOGO GOMES fica arrumado. E em conclusão os factos
teriam sido os seguintes:
-
Nuno Tristão passou o Rio dos Barbacins, chegando provavelmenteao Rio de Lago,
onde foi morto. O sucesso deu-se já no Niumi – DIOGO GOMES está na razão.
-
Estêvão Afonso passou além de Nuno Tristão e chegou à foz do Gâmbia,
encallhando aí uma das caravelas. O sucesso deu-se igualmente no Niumi – DIOGO GOMES
deslocou para a viagem de Nuno Tristão o encalhe (destruição) da caravela e a
ultrapassagem para a de Valarte. O encalhe da caravela não foi porém no Rio do Lago,
mas sim no Gâmbia.
-Valarte
ficou aquém de Nuno Tristão, e ao norte de Niumi - DIOGO GOMES
errou.
Como
quer que seja, os argumentos extraídos de ZURARA no respeitanteà viagem de
Valarte são suficientemente concludentes para localizar o seu termo entre a
Ilha da Palma e o Rio de Lago. Há confusão manifesta em DIOGO GOMES.
Ocorre
agora uma dúvida - assente que há confusão no relato de DIOGO GOMES, poder-se-á
atribuir alguma importância à sua informação tendente a mostrar o Niumi - mais
em especial o Jumbas - como términusde Nuno Tristão? Bem claramente
demonstrámos, após a devida análise, que igual conclusão se extrai de ZURARA,
pelo estudo combinado do relato que faz das viagens de Nuno Tristão e Estêvão
Afonso. Fo imesmo por essa análise que começámos, e só no fim se apresentou o texto
de DIOGO GOMES, como comprovação.
Quando
duas fontes, uma mais segura que outra, se acordam, creio que não há razão para
duvidar da menos segura; pelo contrário, ela fica verillicada no ponto em que
há acordo. Significa isto que o relato de DIOGO GOMES tem certamente utilidade
- mas necessita de ser empregado com a devida cautela.
Após
tanta discussão chegou a altura das conclusões.
Nas
primeiras viagens após a descoberta do Senegal as relações comos indigenas
estavam-se manifestando francamente más. Os escravos capturados eram escassos,
comparados com os obtidos na Mauritânia. Os negros mostravam-se aguerridos, e a
mortandade entre os tripulantes dos navios era bastante grande, mercê dos
ataques com frechas ervadas. Urgia mudar de orientação, e obter por meios
pacíficos o que até ai senão conseguira.
Com
este fim partiu a expedição onde Valarte embarcou. O seu objectivo era
estabelecer as pazes com urn dos chefes da região do Cabo Verde - o Bor-Damel, o Bor-Ba-Sine ou o Bor·Salum.
A caravela passou além da Ilha da Palma e chegou a terra do Bor-ba-Sineou do Bor-Salum,
voltando sem que se conseguissem firmar as relações de amizade, ficando por lá
Valarte e alguns portugueses, cativos ou mortos.
☻
1447 - Para aproveitar a boa vontade, que os habitantes das
margens do Rio do Ouro mostrarão a Gomes
Pires quando ultimamente alli esteve, lhe deo o commando de duas Caravelas (1), e o mandou
estabelecer com eles hum
commercio regular. Chegou elle ao Rio, e em breve conheceo, que os Mouros só
buscavão engana-lo, armando-lhes ciladas para o surpreender; de que irritado, assaltou
as suas Aldeas, e cativando oitenta pessoas, recolhendo-se a Portugal.
(1)Faria , tomo l.º da sua Asia, Parte 1.ª - Barros, Cap. 15 da Decada 1ª,
L.º 1.º
☻
1447 - Nao sendo possível, em consequencia deste acontecimento, organizar o
commercio dos escravos com os Mouros do Rio do Ouro, e sabendo o
Infante que os de Meca (ou Meissa), cidade situada entre
os Cabos de Guer, e de Nâo,na Lat. N. 30º 5’ e Long.8 50', desejavão a amizade,
e commercio dos Portugueses, mandou em essa comissão Diogo Gil (1) homem experimentado, por Commandante de huma
Caravela, e com elle por interprete João
Fernandes, celebre pela sua habitação voluntaria entre os Azenegues. E como
em Portugal se achavão dezoito Mouros captivos naturaes de Meca, que offerecião
por si huma certa quantidade de Negros, o entregou o Infante a Diogo Gil, para
que os resgatasse.
Chegado
elle ao Porto do seu destino, e tendo recebido cincoenta Negros pelos dezoito
Mouros, sobreveio tamanha travessia, que se fez á vela, deixando em terra a
Joâo Fernandes, e voltou para Portugal, trazendo ao Infante o primelro Leão, que veio daquele
Paiz, o qual Infante enviou de presente a hum Fidalgo
inglez seu amigo , que assistia no Principado de Walles.
(1)Barros (a quem seguem Faria, e Soares da Silva nos lugares já citados)
colloca esta viagem, e a seguinte de
Fernáo Affonso a Cabo Verde no anno de 1448; mas parece-me que hanisto
manifesto engano, pois diz (pag. 30), que neste anno (1448) El·Rei
D. Affonso sahio da tutoria do
Infante D. Pedro seu tio, e
houve inteiramente posse de seus Reinos em idade de dezasete annos. Eis
aqui este acontecimento, Ségundo Ruy de Pina na Chronica d'El-Rei D. Affonso, Capitulo 86. Cumprindo
El-Rei quatorze annos no mez de Janeiro de 1446, celebrárão-se no dito mez
Cortes Geraes em Lisboa, e alli lhe entregou o Infante D. Pedro mui livremente,
e sem cautela e Regimento. Concluido este Acto, e achando-se El-Rey na sua
Camara com seu irmão o Infante D. Fernando, e os infntes D. Pedro, e D.
Henrique, e outras Personagens, pedio ao Infante D. Pedro, que até nisto
poderia fazer, elle inteiramente mandasse, e fizesse em seu nome o que dantes
fazia. Tres dias depois fez o Doutor Diogo Affonso, em nome, e na presença
d’El-Rey,
em outra sessão das Cortes, huma Declaração solemne nesta Real resolução.
Continuou o Infante segunda vez na Regencia do Reino, e
ocorrendo os memoráveis sucessos, que as Historias referem, e não são do
objecto destas Memorias, largou de
todo o
Governo a El-Rei em .Maio do anno seguinte de 1447, senão foi antes; porque neste mez he que El-Rei em Santarem tomou sua casa, e sua mulher junlamente, e já o
Infante se tinha de facto dimittido de todos os negocios da Regencia, não
querendo assignar Diploma algum.
A' vista desta passagem de Ruy de Pina fica evidente, que a
data das viagens de Diogo Gil, e Fernão Affonso, que Barros, e
os seus seguidores põem no anno de 1448, devem
recuar-se ao anno antecedente pelos seus proprios fundamentos.
☻
1447 - A fama dos descobrimentos das novas regiões, e extranhos Povos, que os Ponuguezes sucessivamente fazião, atrahia a Portugal muitos homens notaveis, curiosos de cousas tão extraordinarias, e entre
estes veio hum Gentil-Homem da Camara d’EIRei de Dinamarca, e por elle recommendado ao Infante; os nossos Historiadores lhe chamâo Balart, corrompendo talvez o nome. Este
Fidaigo ardia em desejos de viajar na Costa d' Africa, para examinar de perto
as maravilhas, que entre os gelos da sua patria ouvia relatar daqueles
climas, em que as arvores nunca se despojâo da sua folhagem, e as producções
da natureza são
totalmente diversas.
O
Infante mandou logo armar hum navio, cujo cornmando deo a Fernão Affonso.
Cavalleiro da Ordem de Christo, que levava huma mensagem ao
Soberano de Cabo Verde; e com elle se embarcou Balart, cuja
curiosidade obrigou Fernão Affonso a fazer huma viagem costeira
até ao Cabo para lhe ir mostrando todas as Bahias, Portos, Rios, e Promontorios
já descobertos; e por esta causa, e por alguns ventos contrários gastou seis mezes na jornada,
Chegando
ao Cabo, logo que os Negros virõ os navios, sahirão a reconhece-lo, em som de
guerra, em suas Almadias, mas explicando-lhes os interpretes o verdadeiro
objectivo da viagem, e informados dos presentes para o seu Principe, foram
avisar o Governador da terra, por estar o Rei dalli oito jornadas occupado em
huma guerra no sertão. Veio elle á praia receber em
ceremonia a João Affonso, e a Balart, e alguns dentes de elefante dos quaes
maravilhado o Dinamarquez, offereceo-lhes grande preço, se lhe mostrassem hum
destes animaes vivos, ou lhe trouxessem a pelle, ou a ossada de algum. Os
Negros, cobiçosos do premio, prometêrão tudo; e três dias depois o vierão chamar,
para que fosse a num certo lugar, onde tinhão hum elefante vivo. Balart, sem
mais consideração, nem receio, partio na lancha (única embarcação do navio), só
com os marinheiros que a remavam, e chegando a terra, onde as ondas andavam de
lavadío, cahio um marinheiro ao mar no momento de tomar huma cabaça de vinho de
palma, que lhe dava um Negro; e querendo os companheiros recolhe-lo, foi tal a
revolta, que se atravessou a lancha, e foi á costa. Os Negros vendo os
Portuguezes em estado de não poderem defender-se, nem ser socorridos, derão
sobre elles, e os matarão a todos, excepto hum, que se salvou a nado.
Assim
acabou este ilustre Estrangeiro ás mãos de bárbaros traidores, sem que Fernão
Affonso podesse tomar deles justa vingança, porque nem eles tornarão mais a
bordo nem tinha outra embarcação, em que desembarcasse. Esta desgraça fez com
que se recolhesse a Portugal.
☻
Em 1447, já reinava D. Afonso V, Fernando
Afonso, cavaleiro da Ordem de Cristo, e o nobre
dinamarquês Valarte (ou Abelharte) são massacrados e os seus homens
em Baol, uma localidade entre a ilha da Palma e o atual rio Jumbas.
Paradoxalmente, esta viagem constituiu a primeira missão henriquina com um
objectivo diplomático a sul do Senegal – encontrar um rei cristão ou mesmo
Preste João que se aliasse ao rei de Portugal.
PEDRO AFONSO (?) e o dinamarquês VALLARTE vão a Caior (?), ao Sine(?) ou
ao Salum(?), sendo o segundo morto ou feito prisioneiro. VALLARTE apareceu em Portugal recomendado pelo rei dinamarquês
Cristóvão III. Sobrinho e sucessor de ErIk VII (da Pomerânia) o qual havia
casado com D. Filipa de Lencastre, sobrinha da Rainha de Portugal sua homónima
e, consequentemente, prima direita do Infante D. Pedro.
Conta
Diogo Gomes:
«Ouvindo o senhor infante a má nova da morte
dos seus christãos (Nuno Tristão
e os outros) ficou mui triste. E
estava então de visita no seu palácio um certo nobre do reino da Suécia, que
veiu a Portugal para se fazer cavaleiro no ultramar em Africa, cujo nome era
Ábelhart (Vallarte). Desejando ver terras estranhas, e principalmente Guiné,
pediu ao senhor infante que o mandasse áquellas regiões. E o senhor infante
cedeu ao pedido d'elle, deulhe uma caravella armada com alguns nobres da sua
corte.
Estes navegaram ainda
alem do logar já dito, onde os christãos tinham sido mortos. E acharam os
pretos com almadias armadas, mais de trezentas, com as suas setas venenosas, e pelejaram com os christãos e ficaram
muitos mortos e quasi todos feridos, excepto três rapazes. E sobrevindo
vento forte foram levadas para o mar quebradas as ancoras e rotos os cabos,
quasi por milagre de Deus. E na caravella estava um certo ancião gravemente
ferido, grande marinheiro. Conhecendo que ia morrer disse aos meninos: depois
que eu morrer ide para o norte com a vossa caravella e encontrareis o reino dos
christãos.
Muitos dos christãos que estavam feridos com veneno
morreram, e por milagre de Deus estes três rapazes lançaram ao mar os cadáveres
d'elles, vendo sem temor de
que modo os corpos desciam á profundeza, e assim fizeram também ao velho
marinheiro. Quando elles, porém, entraram no grande mar oceano, seguindo o
ensinamento do ancião, sem vista da terra nem das ilhas, vieram por instincto
de Deus ter a Portugal.
E quando avistaram terra saiu-lhes ao encontro um certo
corsário com muitos navios, chamado Maclán de Trapana, e um dos seus navios menores chegou á caravella dos
meninos, e entraram n'ella, e acharam aquelles três meninos e ficaram muito
admirados. E isto era ao pé do Cabo de Pichei, a 7 léguas de Lisboa. O corsário
tripulou a caravella e dirigiu-a para Lisboa com os meninos.»
«Indo nós próximo da margem avistámos duas almadias que iam
no mar. E puzemo-nos entre élles e a terra, e navegámos para elles, e em cada
uma das almadias estavam 38 homens. E o interprete chegou-se-me e segredou-me
que ali estava Besêghichi, senhor d'aquella terra e homem medroso de que já
acima falámos. E eu fiz com que elles entrassem na caravella, e dei-lhes de
comer e beber e presentes, e disse-lhes, como se não soubesse que o senhor
delles estava ali, para o experimentar: esta terra é Beseghichi? E elle mesmo
disse: Assim é. E eu disse-lhe: Porque é elle tão mau para os christãos? Era
melhor para elle fazer pazes com os christãos, e que uns e outros trocassem as
suas mercadorias, e teria cavallos, etc, como faz Burobruck e Badamel e outros
senhores dos negros. E digam-lhe lá que eu vos tomei n'este mar, e que por amor
d'elle vos deixo ir livres para terra. Ficaram muito contentes; e disse-lhes
que entrassem nas suas almadias; e entraram. E depois de todos estarem nas suas
almadias disse então ao senhor: «Beseghichi, Beseghichi, não julgues que te não
conheci; certamente eu poderia fazer de ti o que quizesse. E visto que te fiz
bem, tu agora faze o mesmo aos nossos christãos».E assim cada um de nós seguiu
o seu caminho.»
Valarte
e Fernando Afonso
Viagem
descrita por ZURARA (Cap. LXIV), BARROS (Déc. I. Liv. I.Cap. XV e DIOGO GOMES.
Indicações
principais:
1-
A
expedição tinha· por fim estabelecer relações amistosas comuro chefe da região
do Cabo ·Verde.
2-
A
caravela passou para sul da Ilha da Palma (Gorea).
3
- O ténninus era denominado pelos indígenas Abram e ficava junto de uma
ponta.
4 - O Governador da terra chamava-se Guitenya ou
Guitanye. Outros indivíduos importantes tinham os nomes de Satam, Minef e
Amallam.
5
- O grande rei da região era Boor, e estava a cerca de 3 dias de viagem
do local.
BARROS
Resumo
de ZURARA. Apenas difere em chamar Farim ao Guitanye,por ser o
Governador da terra.
DIOGO
GOMES
1
- A caravela de Valarte foi além de Nuno Tristão.
2
- Os indígenas que atacaram Valarte eram do mesmo agrupamento triboa! dos que
mataram Nuno Tristão, sendo o seu chefe, nos dois casos, o Nomimans, senhor
da margem norte do Gâmbia junto da foz.
Interpretações
principais de historiadores e investigadores: sobre otérminus:
a)
1925 -
CHARLES DE LA RONCIÈRE (B 32) - O Guitanye eraum vassalo do Imperador deMali
(Bormeli).
b)
1938 -
JOÃO BARRETO (B 4) - Margem direita do Gâmbia.
c)
1943 -
DAMIÃO PERES (B 30) - Rio Gâmbia.
d)
1945 -
MACALHÃES GODINHO {B 25) - Entre o Cabo dos Mastros e o rio de S. Domingos,
provàvelmente este.
e)
1946 - A. TETXEIRA DA MOTA (B 33) - Local entre a llbada Palma (Gorée) e o rio
Jumbas.
f)
1946 -
JOSÉ DE OLIVEIRA BOLÉO (B 28) - Rio de S. Domiogos.
ZURARA
não indica nenhuma distância; fornece porém alguns topónimos e antropónimos que
permitem apurar alguma coisa. No entanto só muito recentemente eles foram
aplicados para esse fim.
C.
DE LA RONCIÈRE(a), sem apresentar argumentos, afirmou ser o Guitanye um
vassalo do Bormeli, sendo este o Boor de ZURARA.
JOÃO
BARRETO (b) utilizou pela primeira vez o relato de DIOGO GOMES, fazendo notar
que, por ele, o ataque a Valarte se teria dado na margem direita do
Gâmbia.
Foi
porém DAMlÃO PERES (e) que procurou utilizar oom maior fundamento esse relato.
Entende que o «mais além» significa que Valarte subiu o Gâmbia, em maior
extensão do que Nuno Tristão. Como RONCIÉRE afirmava ser o Boor o Bormeli,
e DIOGO GOMES dizia dominar este na margem direita do Gâmbia, julga este
facto uma confirmação da estadia de Valarte nesse rio. Além disso vê no local Abram
de ZURARA a aldeia de Habanbarranca de DUARTE PACHECO, nas
imediações ainda do Gâmbia.
MAGALHÃES
GODINHO (d) entende que o rei que Valarte procurava era o imperador mandinga.
Acha plausível a hipótese de DAMlÃO PERES, se bem que lhe pareça mais seguro
afirmar que o insucesso de Valarte teve lugar entre o Cabo dos Mastros e o R.
de S. Domingos. A designaçãode Farim, aplicada por BARROS, levaria mesmo
a supor tratar-se deste último rio, pois VALENTIM FERNANDES diz ser senhor dele
o Farinbraço, de origem mandinga. OLIVEIRA BOLÉO (f) também se inclina
para esta hipótese.
No
nosso trabalho (e) pudemos desfazer alguns equívocos destes últimos
investigadores:
a)
Deve-se notar que o objectivo de Valarte era um rei da região do Cabo Verde,
conforme revela ZURARA. Este não refere também rio algum.
b)
O termo Habanbarranca de DUARTE PACHECO não é identificável com Abram;
trata-se de uma referência aos Bambaras ou Banbarrancas, que comerciavam em
ouro. Abram não tem relação com a língua mandinga.
c)
Os
termos Guitanye, Satam e Minef não se aparentam como sendo da
língua mandinga, o que portanto leva a supor que Valarte não chegou ao Niumi.
d) O Boor de ZURARA não é o Bormeli, mas
sim um dos vários chefes jalofos ou sereres da costa (lbor Damel, Bor-ba-sine,
Bor Salum,por exemplo, ou ainda o Bezeguiche).
e)
A aplicação da designação de Farim ao Guitanye, por BARROS, não passa de
uma ilacção, pois os outros antropónimos provam não se tratar de mandingas. A identificação
destes deve fomecer a solução do problema; cremos não errar em afirmar
serem termos jalofos ou sereres.
f)
A existência de vários farins na região entre o Gâmbia e o Geba
tomaria difícil apurar de qual se tratava - a ser verdadeira a afirmação de
BARROS. Por isso não se pode afirmar que fosse o farinbraço do
R. de S. Domingos.
g)
Em nosso entender Valarte não passou da região dos jalofose sereres, tendo
portanfo atingido um local entre a IIha da Palma e o R. Jumbas.
h)
O
facto de DIOGO GOMES afirmar que Valarte passou além
de Nuno
Tristão, explica-se facilmente por uma confusão com a viagem de Estêvão Afonso.
Ele não fala desta, e tudo leva a crer que resumiu e baralhou em duas os
sucessos de três expedições diferentes.
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